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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Uma conversa com Silvio de Abreu, autor de “Passione”


De volta à TV com "Passione", o próximo folhetim das oito, o autor Silvio de Abreu diz que "se quisesse criar um produto relevante, não faria novela"

Quando a reportagem chega ao apartamento de Silvio de Abreu, localizado em uma cobertura no bairro dos Jardins, em São Paulo, ele está trancado em seu escritório escrevendo mais um capítulo de sua próxima novela, "Passione", prevista para estrear em maio, no lugar de "Viver a Vida".

Do alto do 20º andar, a cidade emite as vibrações de que ele tanto precisa. "O [novelista] Gilberto Braga, quando vem aqui, diz que eu só gosto de São Paulo porque vejo a cidade de longe."

Na sala do apartamento dúplex, a metrópole e seu cotidiano estão presentes, retratados em telas de artistas paulistas conhecidos pela temática urbana: Gregório Gruber, Gustavo Rosa e Newton Mesquita.

Silvio chega bem-humorado e falante. A alegria que injeta no dia a dia ele atribui ao cinema, que o ensinou a escapar da realidade em nome da fantasia. "Eu tenho uma vida comum. Sou casado com a mesma mulher há 35 anos (a psicóloga Maria Célia de Abreu), tenho uma filha que não me dá problema, almoço todo domingo na casa da minha mãe. Mas a minha cabeça não é comum, ela é doida. Nela, posso roubar, matar, burlar a lei e me apaixonar pelas mulheres mais fantásticas do mundo. É essa fantasia que me possibilita ter equilíbrio na vida."

De volta à realidade. Silvio pensou na trama de "Passione" pela primeira vez há um ano em meio. Com a sinopse na cabeça, foi à Itália fazer pesquisa e buscar locações, pensou nos atores que gostaria de convidar Irene Ravache, Tony Ramos, Fernanda Montenegro, Mariana Ximenes, Reinaldo Gianecchini, ouviu músicas que fariam parte da trilha, enfrentou as estradas da Toscana e finalmente amarrou a história com "tudo o que está na moda", temas que ele define como atuais e modernos: ciclismo, moda, e as novas redes de comunicação.

Não é a primeira vez que o mundo fashion entra em suas novelas. Em "Belíssima", de 2005, a atriz e modelo Letícia Birkheuer fez sua estreia na TV como uma top que rivalizava com a mãe, vivida por Glória Pires. "Passione" traz a ex-modelo Mayana Moura na pele da estilista Melina.Com a proximidade da estreia, Silvio corre contra o tempo. Todos os dias, acorda às 7h e escreve um capítulo - mas cada capítulo tem, em média, 38 páginas. É nesse ritmo que ele trabalha até as 2h. A adrenalina é tanta que muitas vezes ele não dorme, pensando nos rumos que dará à história.

Sobre o desafio de suceder o colega Manoel Carlos e superar a audiência de "Viver a Vida" com média de aproximadamente 38 pontos no Ibope. Silvio diz não se preocupar. Prefere dizer que seu único desejo é emocionar. "É um desafio diário, que não se resume a um bom primeiro capítulo. Uma boa novela tem que trazer novidade todos os dias e deixar sempre um suspense no ar. Quando vejo que o capítulo está meio mole, crio um final inesperado, invento um tiro e mato alguém. Odeio cenas em que o personagem vai fritar um ovo. É um insulto."

A seguir, os principais trechos da conversa com o autor.

Por que a moda está tão presente nas suas novelas?
Tenho que escrever sobre o que interessa aos outros, e moda interessa a muita gente. Eu brinco que o Brasil faz sucesso lá fora não só por causa da música, mas pela moda e pela "brazilian wax" (método de depilação com cera).

Na trama também estarão presentes as redes sociais. O senhor é ligado 24 horas?
Não! Odeio isso tudo. Eu não tenho nem celular. Não tenho necessidade de responder algo na hora, não sou médico, não sou bombeiro. Não tenho síndrome de informação. Essa mania de ver todos os filmes, ler todos os livros, é ridícula. Minha vida não vai mudar se eu não for assistir a "Cats".

De onde vem o seu bom humor?
Eu me divirto comigo mesmo. Sou feliz graças ao cinema. Foi uma forma de escapismo muito útil na minha vida, porque me fez acreditar naquele mitos idiotas dos filmes americanos que diziam que amanhã seria um novo dia.

O humor ajuda na escolha dos atores?
Para dar a mensagem que eu quero, tenho que ter o emissário certo. Gosto de pensar em personagens completamente diferentes para eles, como a Irene Ravache, tão intelectual, sofisticada, na pele de uma cafona. A Claudia Raia só não está na novela porque não há papel para ela. É uma excelente comediante, mas é uma mulher grande. Quando entra em cena, todos olham. Ela não é uma atriz para atuar perto de um fogão. Tive medo de cair na mesmice.

É verdade que Gilberto Braga e o senhor opinam na novela um do outro?
Sim. Ele é o primeiro a ler o que escrevo. O meu jeito de escrever é mais ou menos igual ao do Gilberto Braga. A diferença é que eu tenho mais humor e ele, mais glamour. Eu brinco que ele é quem deveria ser o paulista e eu, o carioca. Nossas cabeças são parecidas. Não há outra pessoa com a qual eu tenha tanta liberdade.

O senhor supervisiona novelas de novos autores. Tem poder de veto?
Fico preocupado com o futuro da novela. Todo mundo acha que escrever novela é escrever um romance. Não é. É como quando vamos ao cinema ver o Fred Astaire e saímos achando que podemos dançar como ele, quando na realidade parecemos hipopótamos. Novela é igual. É uma dedicação grande, são 200 dias ininterruptos mergulhado numa história. Mesmo com a triagem feita na Globo, recebo centenas de scripts, a maioria péssimos. Fico feliz ao ver gente talentosa como João Emanuel ("A Cor do Pecado") e Andrea Maltarolli ("Beleza Pura").

A novela evoluiu?
Deixou de ser aquele romance açucarado e passou a ser mais inteligente e divertida. Mas as pessoas querem conferir à novela uma responsabilidade que não existe. Se eu quisesse fazer um produto intelectualmente relevante, eu não faria novela, continuaria no cinema. Novela é entretenimento. Não tem como aprofundar, porque, a cada 15 minutos, ela vai parar e o espectador vai ver alguém vendendo massa de tomate, sabonete ou geladeira.

Fonte: Folha de São Paulo

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