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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Um século de Nelson Rodrigues


Peças de teatro, romances, novelas, contos e crônicas. Se existiu um escritor brasileiro cuja genialidade manifestou-se em estilos distintos, seu nome foi Nelson Rodrigues. Pernambucano, nasceu em 23 de agosto de 1912 e, ainda menino, em 1916, mudou-se com os pais para o Rio de Janeiro. Filho do jornalista Mário Rodrigues - prestigiado dono de jornais como "A Manhã" e "Crítica" -, ele adaptou-se muito cedo, aos 13 anos, à profissão que exerceria.

Sua vida foi marcada por tragédias que alteraram os rumos de sua carreira. Um dos mais notórios deles ocorreu em 1929, quando publicou uma reportagem sobre seu divórcio de Sylvia Seraphim - o texto dava indícios de traição. A ex-esposa, indignada, foi até a redação à procura do proprietário do jornal e, não o encontrando, pediu para falar com um de seus filhos. Roberto Rodrigues, irmão de Nelson, foi quem a atendeu: Sylvia o matou com um tiro. Dois meses depois, seu pai, Mário Rodrigues, sofreu uma trombose cerebral e faleceu. Nelson teve uma vida rodrigueana.

"Nelson encarou menos aplausos do que a indignação da massa que retratava em suas obras - que a considerava pervertido. Enquanto intelectual, o autor hesitava em defender ideologias e reflexões, tampouco deixava de se envolver e situar a sua posição nos debates públicos - fossem de cunho político, comportamental, artístico ou mesmo intelectual", salienta Luiz Carlos Almeida, doutor em Literatura Brasileira, pela Unicamp.

Jornalista, dramaturgo e cronista esportivo, ele morreu em 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, de trombose, insuficiência cardíaca e respiratória. Foi enterrado com a bandeira do Fluminense, seu time de coração. Deixou seis filhos: Joffre, Nelson, Maria Lucia, Paulo César, Sonia e Daniela - além de 17 peças e 16 livros.

Da precoce e versátil carreira à fama que lhe rende homenagens neste ano, em que se comemora seu centenário, a obra de Nelson Rodrigues percorre a história brasileira no século 20 - e se mantém atual até os dias de hoje.

Futebol

"Eu vos digo que o melhor time é o Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos". Em 1962, Nelson começou a escrever crônicas esportivas, deixando transparecer toda a sua paixão por futebol - ofício que ele alçou ao patamar de arte com suas antológicas. Até hoje ele é considerado por muitos profissionais um ícone do gênero. O relato descritivo dos aspectos factuais do jogo - escalação, esquema tático, etc. - não eram o foco de seus textos. "Ele traduziu em palavras a dimensão da maior paixão brasileira - o futebol. Suas crônicas esportivas ilustram a noção de uma "alma brasileira" representada neste esporte, e podem por isso ser tomadas como palco, onde tensões estéticas, históricas e sociais se manifestam. De modo geral, os discursos de Nelson oscilaram, ora tratando o homem brasileiro como herói, ora falando da falta de organização que se refletia nos campos de futebol. Entretanto, sobretudo nos fins da década de 1950, ele escrevia de maneira solitária, uma vez que elaborava discursos ufanistas de apoio à seleção brasileira", explica Luiz Carlos Almeida.

Cronista da sociedade brasileira

"Observador atento da realidade ao seu redor, ele utilizava o recurso da crônica: gênero intermediário entre literatura e jornalismo que tem nos fatos do cotidiano a principal fonte para a sua construção. Os temas e os personagem que permeiam sua obra trazem um retrato cru da sociedade brasileira - que ele considerava trágica. Assim, trouxe à tona dramas familiares carregados de tabus, derrubou máscaras para destrinchar o homem por trás das aparências sociais", comenta Flávio Gattet, doutor em Teorias da Comunicação, da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo.

Há quem diga que Nelson Rodrigues não podia ter vivido em mais propícia época. Ruy Castro (1995), biógrafo do autor, ao organizar a edição de A Cabra Vadia, publicado pela editora Cia. das Letras, escreveu que "poucos anos neste século foram tão extraordinários quanto 1968 - e, no Brasil, nenhum escritor foi mais atento a ele do que Nelson Rodrigues". De fato, o cronista não deixava escapar os movimentos que marcaram a época: o ideal hippie, a revolução sexual, o comunismo, o feminismo, manifestações estudantis, greves, a ditadura de direita no Brasil, a MPB - nem que a menção fosse de mero desprezo.

Teatro

Nelson Rodrigues revolucionou o perfil do teatro brasileiro. A dramaturgia explora os conflitos da família e, a partir dela, temas como a insatisfação e a infidelidade. Muitos personagens apresentam uma incontrolável angústia sexual, pois suas práticas contrariam os valores morais da sociedade. Outro ponto muito abordado é a dualidade da natureza humana: ninguém é tão santo que não possa ter um canalha em si e vice-versa. "Na maioria das obras do autor, a realidade tem apenas o papel de situar a ação, que se concentra de fato sobre o universo interior das personagens. O jogo entre a verdade interior - nem sempre psíquica - e a máscara social é outro elemento recorrente", sintetiza Flávio.

Nelson Rodrigues por Nelson Rodrigues

"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."

"Eu devia ter uns 7 anos. A professora sempre mandava a gente fazer composição sobre estampa de vaca, estampa de pintinho. Uma vez ela disse: ' Hoje cada um vai fazer uma história da própria cabeça ' . Foi nesse momento que eu comecei a ser Nelson Rodrigues. Porque escrevi uma história tremenda, de adultério." (entrevista concedida à Revista Playboy em novembro de 1979).

"Todo autor é autobiográfico e eu sou também. O que acontece na minha obra são variações infinitas do que aconteceu na minha vida". (entrevista ao Jornal da Tarde, 1974).

Polêmicas e cheias de humor

Grande frasista, Nelson Rodrigues não poupava palavras para tecer comentários sobre diversos aspectos das relações familiares e do cotidiano. A maior parte delas estão reunidas no livro "Flor de Obsessão", de Ruy Castro, publicado pela Cia. das Letras, em 1997.

"Invejo a burrice, porque é eterna".

"Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos...".

"As feministas querem reduzir a mulher a um macho mal-acabado".

"O brasileiro é um feriado".

"A fidelidade devia ser facultativa".

"Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém".

"Pode não ser científico, mas é batata! Eu disse que o amor morre no banheiro e provo. Quando um cônjuge bate na porta do banheiro e o outro responde lá de dentro: "Tem gente!", não há amor que resista! Portanto, nada de camas, nem de quartos separados. Separação sim, de banheiros. Cada um deve ter seu trono exclusivo".

"O homem só é feliz pelo supérfluo. No comunismo, só se tem o essencial. Que coisa abominável e ridícula!"

"Se cada um soubesse o que o outro faz dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava".

"O jovem só pode ser levado a sério quando fica velho".

"Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar".

"A companhia de um paulista é a pior forma de solidão".

"A grande tragédia da carne começou quando o homem separou o sexo do amor. Como não somos vira-latas, nem urramos no bosque, o sexo sem amor é um progressivo suicídio".

"Toda mulher bonita é um pouco a namorada lésbica de si mesma."

"Tarado é toda pessoa normal pega em flagrante".

"Num casamento, o importante não é a esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos da própria mãe".

"Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata"

Fonte: Yahoo

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