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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Fé no "novelão" leva Gloria Perez a se repetir


Gloria Perez nunca havia assistido a uma novela inteira quando teve a oportunidade de ajudar Janete Clair (1925-1983), já doente, a escrever “Eu Prometo”. Aprendeu com ela a admirar o gênero. E ouviu da rainha do folhetim que tinha uma qualidade fundamental para escrever novelas: o despudor.

Numa foto do escritório da autora, datada de 2006, vê-se com muita nitidez, em lugar de destaque, uma plaquinha com a frase: “Só os imbecis têm medo do ridículo. Nelson Rodrigues”. Não sei se ela ainda conserva o objeto, mas tenho certeza que continua acreditando na mensagem.

Dentro deste contexto – de que novela é sinônimo de fantasia –, Gloria Perez desenvolveu em suas últimas obras o hábito de estabelecer a ação sempre em dois planos, no Brasil e em algum recanto exótico para os brasileiros, como Marrocos ("O Clone") e Índia ("Caminho das Índias"). 

Além disso, acrescentou aos seus folhetins a preocupação em discutir temas reais, de grande apelo midiático, como doação de órgãos ("De Corpo e Alma") ou crianças desaparecidas ("Explode Coração"). As chamadas ações de responsabilidade social que introduziu em suas tramas deram às novelas um caráter jornalístico, que se contrapõe ao da fantasia.

Conscientemente, ou não, Gloria Perez criou uma forma de bolo, capaz de fazer com que a assinatura de suas novelas seja imediatamente reconhecida. No caso de “Salve Jorge”, que estreou há uma semana, a ação se passa entre o Rio e a Turquia, mostra a “pacificação” do Complexo do Alemão e trata do tráfico internacional de mulheres em Madri.

Obviamente, há mais, muito mais, na novela. Quase um romance de capa e espada, a trama opõe militares brigando por causa de mulheres e cavalos. Tem também vários conflitos entre ricos, além de disputas entre pobres, entre outros clichês obrigatórios.

Têm, ainda, beijos apaixonados sob a chuva, gente misturando português com turco na Capadócia, personagem dando um pulo em Istambul e voltando para o Rio no mesmo capítulo e Irina, uma russa com a cara da Vera Fischer, falando português em Madri. São quase 100 personagens, lutando por espaço na imaginação da autora.

O despudor que aproxima Janete Clair, Nelson Rodrigues (1912-1980) e Gloria Perez é o de não ter receio de tornar reais as mais absurdas fantasias humanas. “Todos nós precisamos sonhar. Sonhar faz parte das necessidades humanas. Se a novela cumpre essa função, já faz o seu papel”, resumiu a autora numa entrevista ao projeto "Memória Globo".

Gloria Perez segue acreditando com convicção na força do modelo que aprimorou – os primeiros sete capítulos mostram que está tudo lá. Também acredito na força do novelão, mas não é possível ignorar que, imediatamente depois de “Avenida Brasil”, que propôs uma sutil adaptação desta receita, muito mais ágil, com menos tramas e personagens, “Salve Jorge” parece pesada, com excesso de paramentos.

Ao longo dos próximos meses veremos se esta “assinatura” da autora, hoje tão facilmente reconhecível, é uma qualidade ou um defeito.

Fonte: Mauricio Stycer, do UOL

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