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quinta-feira, 29 de junho de 2017

Gloria Perez defende o merchandising social


Os mais pessimistas costumam dizer que a televisão matou a janela, mas para Gloria Perez a telinha abriu uma porta rumo ao lugar de que mais gosta: a rua. “O grande barato de fazer uma novela é que ela é viva, gosto de ouvir o clamor que vem do povo”, pondera a escritora, que já faz de sua A Força do Querer a trama global das 9 de maior audiência desde 2014.

Nesse sentido, de ver e ouvir o que está acontecendo no Brasil e no mundo, sobretudo dentro do coração das pessoas, a autora conta com a preciosa ajuda da pesquisadora Sandra Regina, que colabora com ela em suas produções desde Carmem (1987), na extinta Manchete. Além de todo o trabalho de pesquisa de comportamento, costumes, culturas, conflitos atuais, por exemplo, a especialista tem outra função vital para o desempenho da história: “Se tem um bordão numa novela, ela o solta na fila de banco, de supermercado, para saber se está fazendo, mesmo, sucesso. Daí sigo com ele”, explica Gloria, lembrando de pérolas como o “Não é brinquedo, não”, dito o tempo todo pela divertida personagem dona Jura, de Solange Couto, em O Clone (2011).

Mas o trabalho de Gloria vai infinitamente além. Ela é reconhecida por abordar temas polêmicos, inovadores e de mexer nas “feridas” da sociedade, provocando discussões e reflexões dentro de uma linguagem absolutamente popular. O objetivo é promover alertas e ações sociais, amenizar sofrimentos, salvar pessoas e quebrar preconceitos. Sim, para esta mestra, novela não é só entretenimento. É serviço!

Desta vez, a autora tem, entre outros desafios, contar a história de Ivana (Carol Duarte), uma jovem que passará por um processo de transição de gênero, justamente no país em que mais se mata travestis e transexuais no mundo, de acordo com o levantamento da organização não governamental Transgender Europe (TGEU). “Todas as minhas novelas têm a tolerância como síntese. Sempre falei sobre a dificuldade de aceitar o diferente, de ir além do próprio umbigo”, revela ela sem temer uma eventual rejeição do público diante do tema, considerado um tabu. “Claro, vou dar ouvidos ao telespectador, não para mudar o rumo da história, mas sim para saber se o que quero dizer está chegando da maneira que planejei. Se por acaso eu estiver errada, vou encontrar uma outra maneira de falar disso!”

Quão trabalhoso é escrever uma novela que dura cerca de oito meses?
Um capítulo sai em seis, sete horas. Mas, na verdade, quando se escreve uma produção dessas, tem de se estar 24 horas disponível. Existem reuniões, problemas no meio do caminho, às vezes tenho de fazer um adendo numa cena aqui, outro lá...

Dá para ter folga de vez em quando?
Dá exatamente porque escrevo sozinha (gargalhadas). É aterrorizante ter de dividir o trabalho com cinco pessoas, ficar conversando, montando capítulos, refazendo o texto, verificando. Não sei administrar isso, mas admiro quem consegue.

Não é pesado dar conta de uma trama no horário nobre sozinha?
Não, é muito mais fácil, porque a história que tenho de contar está dentro de mim, ela sai daqui (aponta para a cabeça) direto para o papel em branco. Vou imaginando, vou vivendo, tenho gosto em fazer isso. Dá trabalho? Sim. Fico esgotada? Claro! Mas é algo que faço com muito prazer.

Já sabe como vai acabar A Força do Querer? Conta para a gente (risos)...
Ainda não tenho o final (risos). Novela é uma obra aberta e os personagens vão ganhando um pouco de vida também. Às vezes, nem quero que um romance aconteça, mas um personagem vai e, no impulso, beija o outro e sou obrigada a continuar dali. Sou tipo médium: ouço a voz de todos enquanto escrevo (gargalhadas).

Aliás, ainda escreve de pé?
Mas não é em posição de sentido, tá?! (risos) Tenho um banquinho de bar em que me apoio, encosto para não prejudicar minha coluna. Quando você passa muito tempo sentado, na mesma posição, que pode até ser cômoda, na hora de levantar, a coluna está tão torta que tem de chamar um monte de especialistas para dar conta.

Entre suas várias campanhas sociais, qual foi a mais marcante?
A das crianças desparecidas em Explode Coração (1995). Foi uma bela campanha porque, geralmente, as coisas terminam junto com a novela e as pessoas seguem com sua vida. Acho que, por tratar da infância, transpassou a trama e até hoje você vê os retratinhos (de desaparecidos) estampados até em bilhetes de loteria.

Como fará para driblar uma suposta rejeição em torno da transição da Ivana, que se assumirá como homem?
Quando você levanta bandeira demais, cria uma antipatia. Já notei isso. A novela cria uma intimidade muito grande do público com o personagem, tanto que as pessoas são muito intrometidas (risos). Elas mexem com o ator na rua, dão conselhos. Por isso, comecei a trama da Ivana lá de trás, desde o atordoamento em relação ao corpo, para as pessoas irem criando essa compreensão do que é o transexual.

Teme mudar o destino da personagem por conta dos grupos de discussão?
Eles sempre existiram, cansei de ir (às reuniões na Globo), mas gosto mesmo é de rua, porque lá a gente vê o quanto as pessoas estão realmente envolvidas com a história. Não me importo se falam bem ou mal. Novela é paixão. Como dizia Janete Clair, vale amar e vale odiar. A única coisa insuportável é a indiferença.

Sabe que sua trama terá um papel importante para diminuir o preconceito contra as pessoas trans, não? 
Tenho a consciência de que posso salvar vidas. Espero criar uma empatia entre o público e os transexuais, para que estes possam ser olhados com mais compaixão. Consegui isso com os dependentes químicos em O Clone (2001) e com a saúde mental em Caminho das Índias (2009). Tenho muito orgulho disso tudo.

Acha que algum de seus merchandising sociais rendeu menos do que esperava?
O resultado em Salve Jorge (2012) parece pequeno, porque as mulheres que sofreram com o tráfico humano recebem ameaças que se estendem por toda uma vida. Elas ainda têm muito medo de aparecer. Durante a pesquisa, apenas uma única me deixou filmar seu rosto. Ela foi traficada há mais de 25 anos e até hoje acredita que qualquer carro preto que passe em frente à sua casa são seus sequestradores. É difícil. Precisou de muita coragem para contar sua história.

Já sabe o destino de sua própria empreitada?
Claro que não, ainda estou em Parazinho, tomando banho de tanque. Não deu tempo nem de pensar nisso ainda (gargalhadas).

Fonte: TiTiTi

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