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terça-feira, 22 de maio de 2018

Trilha de "Segundo Sol" ressuscita axé na Globo


“Já pintou o verão, calor no coração, a festa vai começar, Salvador se agita…” Os versos da canção “Baianidade Nagô”, que o Brasil conheceu com a Banda Mel 27 anos atrás, agora ecoam na voz de Maria Gadú.

Nos últimos anos substituída pelo sertanejo nas paradas de sucesso, a axé music está de volta aos ouvidos atentos ao principal produto da Globo, embalando a trilha da nova novela das 21h, “Segundo Sol”, que tem como protagonista um cantor de axé.


Tal retorno é celebrado por músicos e compositores baianos. Seria um fôlego novo ao gênero da axé music?

Sob nova roupagem, a trilha de “Segundo Sol” ressuscita antigos clássicos do axé como “Beija-Flor”, hit da Timbalada agora por Johnny Hooker, “O Mais Belo dos Belos”, ícone de Daniela Mercury que ganhou intepretação potente de Alcione, e “Beleza Rara”, sucesso de Ivete Sangalo agora por Thiaguinho.

A trilha também coloca os telespectadores em contato com o BaianaSystem, celebrada novidade da música baiana e responsável pela canção-título “Segundo Sol” na abertura do folhetim — uma ausência sentida é Ludji Luna, cantora baiana revelação da MPB no último ano.

Evandro Rodrigues, compositor de “Baianidade Nagô”, conta ao Blog do Arcanjo no UOL que “Maria Gadú mandou uma mensagem carinhosa”, o que o fez sentir-se “reverenciado por essa grande artista”.

Espécie de hino do Carnaval da Bahia, “Baianidade Nagô” se tornou “uma música atemporal” na visão do compositor. “São 27 anos desde a primeira gravação pela minha querida Banda Mel, que sempre acreditou na minha poesia”.

Sobre a atual crise que paira sob a axé music, opina: “Todo movimento musical tem seu boom, seu momento de visibilidade, com nossa música baiana não foi diferente; mas o importante é que os tambores continuam pulsando”. E prefere celebrar sua canção na trilha: “Sempre vi as novelas da Globo, agora me sinto parte dessa indústria de sonhos com minha música na novela”.


Margareth Menezes é outra que está contente com a trilha da novela, sobretudo por ter tido oportunidade de gravar sozinha em estúdio pela primeira vez a música “Faraó”, ícone do cancioneiro negro baiano.

A composição de Luciano Gomes estourou no Carnaval de 1987 e abriu portas internacionais à música baiana quando a cantora foi convocada pelo astro norte-americano David Byrne a abrir seus shows pelo mundo.

A gravação em estúdio de 1987 havia sido feita no disco de Djalma Oliveira, no qual Margareth fez a inesquecível participação especial em “Faraó”.

“Depois, nunca gravei a música em estúdio. Só em versões ao vivo, com aquela quentura de estar ali dançando. Então, gravar sozinha ‘Faraó’ em estúdio é algo inédito. Fizemos uma versão pop e bem diferenciada. Ficou ótimo”, afirma Margareth ao Blog do Arcanjo no UOL.

Marcel Klemm, gerente musical da Globo, conta que o critério de escolha da trilha feita por ele em parceria com o autor João Emanuel Carneiro, o diretor artístico Dennis Carvalho e a diretora-geral Maria de Medicis foi “músicas que ajudassem a contar a história” e que contemplassem “clássicos do axé”.

“É claro que numa novela onde um dos protagonistas é um cantor de axé music, procuramos canções que atingissem a memória afetiva das pessoas e que remetessem a esse universo”, explica.Para o gerente musical da Globo, a reinterpretação destas canções por novos cantores resultou da “da vontade de apresentar algo novo”.

“Boa parte dessas canções nunca foram regravadas por ninguém, apesar de serem incríveis. Através da novela prestamos homenagem a esse gênero tão relevante para a música brasileira, apresentando releituras para um público que talvez nunca as tenha ouvido”, afirma ao Blog do Arcanjo no UOL.

Questionado se a trilha com sucessos do axé pode ajudar o gênero a se levantar junto ao grande público, ele responde: “Não temos essa pretensão, mas se acontecer será ótimo. Música nunca é demais”.


Daniel Martins, doutor em sociologia pela Unicamp e pesquisador da cultura e da música baiana, diz ao Blog do Arcanjo no UOL que a exposição das músicas em horário nobre é benéfica para compositores, mas afirma: “Não creio que ajude o gênero a enfrentar uma possível crise”.

Ele explica por quê: “Ao serem reinterpretadas, as canções perderam muito da identidade do que se convencionou chamar de axé music. A releitura de ‘Me Abraça’ por Anavitória, por exemplo, é um belo trabalho, mas guarda pouco da energia eternizada por Ivete Sangalo nos idos de Banda Eva”, avalia.

“Em algumas, se a pessoa não conhece a versão original, dificilmente relacionará o que ouviu à axé music. Talvez uma releitura pelos intérpretes originais fosse mais interessante”, opina o sociólogo.

Uma faixa da trilha agradou o estudioso: “Um Canto de Afoxé para o Bloco do Ilê”, feita por Caetano Veloso, autor da versão original, agora ao lado dos filhos Tom, Zeca e Moreno. “Quem sabe se tivéssemos o Olodum revisitando “Vem Meu Amor” ou a Timbalada nos apresentando uma nova roupagem para “Beija-Flor”, alcançaríamos ambos os objetivos?”, deixa no ar.

“De todo modo, não deixa de ser uma iniciativa interessante o resgate de tais canções, mesmo que pelas vozes de novos intérpretes. A chamada axé music produziu um cancioneiro vasto e de grande qualidade que merece ser revisitado e observado com outros olhos”, fala o pesquisador.

Martins guarda um elogio à trilha: “Vale ressaltar a grande sensibilidade com que foi tratada a música baiana, ao reunirem em uma mesma trilha sonora Gal, Caetano, Gil, Armandinho, Moraes Moreira, Magareth Menezes, Netinho, Daniela Mercury e BaianaSystem. Fica evidente como os velhos, novos e novíssimos baianos são capazes de conversar muito bem entre si e com a geração que está chegando agora”, finaliza. Afinal, todos têm a tal baianidade nagô, eternizada poeticamente naquela canção-hino do Carnaval da Bahia.

Fonte: UOL

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