José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni,
criou o chamado “Padrão Globo de Qualidade” baseado na seguinte máxima: “Pobre
gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual”.
Desde que deixou o comando da TV Globo em
1998, a emissora passou a apostar em produtos e figuras mais populares, como o
remake de “A Grande Família” e a contratação de Ana Maria Braga.
Na última década, a emissora passou a
retratar mais e com maior veracidade as classes menos elitizadas em sua
dramaturgia. Em 2005, a Globo criou sua primeira favela cenógrafica para a
novela “América”. Dois anos depois, a fícticia favela da Portelinha de “Duas
Caras” serviu de cenário para as cenas mais importantes do folhetim. Até Manoel
Carlos fez seus chiquérrimos personagens, moradores do Leblon, cruzarem com
núcleos de classes inferiores em “Viver a Vida” (2009).
Mas foi somente em 2011, com o sucesso da
série “Tapas e Beijos”, que a emissora decidiu investir pesado na “nova” Classe
C. A produção focada na história de duas vendedoras que moram no subúrbio e
trabalham em Copacabana conquistou índices excelentes para o horário e levou os
diretores do canal a apostarem nesse público ávido para se reconhecer na TV.
Afinal, quem é esse telespectador? Segundo
Marcelo Boschi, professor da ESPM e especialista em Marketing e Gestão de
Marcas, a Classe C é formada por cerca de 40 milhões de brasileiros que
emergiram das Classes D e E nos últimos anos. “Esses consumidores têm
movimetado mais de R$ 900 bilhões no mercado interno”, explicou.
Esperta, a Globo decidiu apostar todas as
suas fichas nesse público e tem se dado bem. “Cheias de Charme” e “Avenida
Brasil” possuem histórias centradas em gente nascida e criada na periferia, com
hábitos simples e que precisam batalhar para conseguir sobreviver.
A trama das 19h é protagonizada por
domésticas, retrata a vida no morro e tem como pano de fundo o sucesso de
ritmos populares, como eletroforró e o tecnobrega. O autor estreante Filipe
Miguez, que assina o folhetim ao lado de Izabel Oliveira, afirma que a história
não foi encomendada pela emissora. “Nós entregamos a sinopse de 'Cheias de
Charme' em maio do ano passado e ficamos esperando a aprovação da direção”,
contou.
A intenção de Miguez era explorar a relação
entre patroa e empregada. “Pesquisando, nós percebemos que não existiam muitas
novelas que fossem a fundo nesse tema que sempre rende boas histórias. Sem
falar que essa relação é muito significativa da nossa cultura. A novela surgiu
a partir desse ponto”, explicou.
Já o autor João Emanuel Carneiro resolveu
criar uma história centrada no subúrbio carioca após perceber que o núcleo rico
de “A Favorita”, novela exibida em 2009, tinha pouco apelo junto ao
telespectador. Assim nasceu “Avenida Brasil”. “As pessoas querem se ver na
tela. Por isso eu criei o Divino. Escrevo pensando nesta nova família que está
assistindo a minha novela”, assumiu.
No bairro criado por Carneiro reina o combo
calça apertada, blusa com barriga de fora e acessórios coloridos onde os
personagens suburbanos só falam gritando e são desprovidos de estofo cultural.
A trama vem fazendo bonito na audiência. Só intelectuais têm reclamado.
Caso do jornalista Arthur Xexéo. Em sua
coluna no jornal “O Globo”, ele fez um desabafo onde pedia de volta a televisão
da “velha classe média”. “Sempre fui noveleiro, nunca tive vergonha disso.
Assisti às novelas de Ivany Ribeiro em versão original. Mas não aguento mais
tramas ambientadas na comunidade, sambão na trilha sonora, mocinha cozinheira e
galã jogador de futebol”, escreveu.
O autor da Record Lauro César Muniz concorda
com Xéxeo. Para ele, não há necessidade de criar uma história para uma classe
inferior. “Não existe isso. 'Avenida Brasil' tem a intenção clara de falar com
a classe C. Não acho que o público humilde quer se ver mais humilde na televisão.
Ele quer se ver mais rico”, garantiu.
Durante a coletiva de “Máscaras” – que tem
patinado no Ibope -, o escritor criticou a onda popularesca nas tramas globais
e chegou a afirmar que “Fina Estampa” foi o pior trabalho escrito por Aguinaldo
Silva.
O jornalista e crítico de TV Flávio Ricco não
acredita que a nova safra de folhetins deixe a desejar no quesito qualidade.
“No que as produções da Globo podem ter caído? Hoje, 'Amor Eterno Amor' pode
não estar repetindo o sucesso das suas antecessoras no horário, mas o que dizer
de 'Cheias de Charme' e 'Avenida Brasil', ou de 'Aquele Beijo' e 'Fina
Estampa'. Com todo respeito ao meu amigo Lauro, acho que não tem nada a ver”,
afirmou.
Ricco acredita que as emissoras devem se
dirigir a um público só e abomina qualquer tipo de classificação. "Nunca
houve essa preocupação por parte das emissoras. Isso é coisa de agora. É mais
um discurso, porque na prática tudo vai continuar como sempre foi. Ir ao
encontro do que o público, em sua maioria, quer ver, é o que deve ser feito. O
resto é comício”, alertou.
Por sua vez, a TV Globo não nega que esteja
de olho bem aberto com relação as preferências da Classe C. “Por um conjunto de
variáveis econômicas, as classes populares vêm incrementando sua participação
na sociedade e sofrendo mudanças de hábito e de comportamento sobre as quais
qualquer empresa de comunicação deve estar atenta”, afirmou a Central Globo de
Comunicação.
Em nota, a emissora informou ainda que
procura fazer televisão para todos os públicos, todas as classes e todas as
idades: “A programação da Globo é feita para a família brasileira. Como TV
aberta e plural, devemos estar em sintonia com os interesses do nosso
telespectador e se as classes C, D e E formam 80% do total da população do
país, com características próprias, precisamos entendê-los e atendê-los com
nossas produções”.
Esse conceito aplica-se também ao
Departamento de Jornalismo do canal que também passou por grandes mudanças na
última década. Ricco acredita que esse contato mais direto com o telespectador
não é efeito de uma possível aproximação com a Classe C e, sim, obrigação de
qualquer telejornal.
“Todos os informativos, das mais diversas
emissoras, estão paginados como são, por exemplo, os jornais impressos. Têm a
parte política, os assuntos esportivos, números da Economia, Polícia e Cultura.
Estão mais completos. Se isso significa maior aproximação com alguém, com toda
certeza, é com a maior parte do público”, explicou.
O jornalista Chico Pinheiro, que assumiu o
lugar do sisudo Renato Machado na bancada do “Bom Dia Brasil”, faz coro ao
crítico. “Eu falo para todas as classes. Isso para mim, é uma tentativa
frustrada de dizer que o nosso jornal está baixando o nível”, avisou. Mais
direto, impossível.
Fonte: Famosidades
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