"O que eu percebi foi que, de repente,
só os homens começaram a me parar para tirar foto. Ninguém disse nada. Mas eu
deduzi: as mulheres estão com raiva porque ele tem uma amante; os gays por
causa do Félix [Mateus Solano]. Então por que apenas os homens estariam me
abraçando e tirando foto? Ou porque são enrustidos ou porque são homofóbicos
como ele. O César é um personagem que tira a máscara do público."
Assim o ator Antônio Fagundes descreveu a
reação que tem percebido do público após seu controverso personagem na novela
"Amor à Vida" ter mandado o filho gay "voltar para o
armário", impondo-lhe uma vida infeliz apenas para manter as aparências.
No currículo do diretor do fictício hospital
San Magno, uma das principais locações da trama das 21h escrita por Walcyr
Carrasco, também consta que o médico fez sua mulher criar a filha de sua amante
e que seu neto, na verdade, é seu filho com a própria nora.
Mesmo assim, Fafá, como é chamado pelos
colegas de equipe, não considera seu personagem um vilão. "O que acontece
agora é que os vilões e os mocinhos se confundem nas novelas. Naquelas cenas
homofóbicas dele com o filho, as pessoas se compadecem pelo Félix. Mas o
público não pode se esquecer de que o Félix jogou a sobrinha numa caçamba de
lixo, manda matar e rouba o hospital. Já o César é contra o aborto, mas tem
amante e empurrou uma prostituta pra casar com o filho. Quem é o vilão aí?
Então o Walcyr constrói os personagens assim. Apesar de você ser bom, você erra
feio. O ser humano é assim."
O ator conversou por meia hora com a
reportagem do UOL por telefone. Durante esse tempo, falou da segunda peça que
está ensaiando com o filho e também por que acha que César não deve morrer.
Leia:
Muitas novelas já discutiram a questão da
homossexualidade na TV. O que "Amor à Vida" traz de diferente?
Porque é a primeira vez que a novela coloca
essa questão de forma negativa. Antes os gays eram mostrados apenas sob a ótica
do amor, para despertar simpatia. Nesta novela há um gay muito mau caráter.
Então eu acho a discussão, neste sentido, mais positiva. Por que ela mostra
duas coisas. Primeiro: homofobia não é brincadeira, um pai homofóbico pode ser
profundamente violento. Segundo: tira a máscara do público. Outro dia mesmo
saiu uma enquete em que se perguntava: "Você concorda com a atitude do
César de obrigar o filho a voltar pro armário?" Deu empate. 50% a favor e
50% contra. É assustador! Então agora eu acho que a novela tem que aprofundar
essa história do preconceito mais ainda.
Você
sabia desde o princípio que o César seria homofóbico?
Não. Eu sabia que ele tinha problemas com o
filho. Depois quando ele teve aquele diálogo com o Lutero [Ary Fontoura],
percebi que era um assunto que o incomodava. Só fui saber da homofobia quando
li a cena em que eles discutem.
O
personagem estava previsto para morrer mesmo?
Primeiro ele ia morrer no capítulo 40. Depois
no 80. E agora não sei...
Walcyr
disse que ele não vai mais morrer... Muitos gays estão decepcionados. Acham que
ele devia morrer...
(risos) Mas por quê?
Porque
se identificaram com o Félix. Muitos gays ouviram as mesmas frases que saíram
da boca do César de seus próprios pais...
Mas matar é solução fácil. Acho que o César
tem que viver. Até para aprofundar o ódio do público por ele. Isso de matar,
além de dramaturgicamente estar esgotado, não soluciona nada. Tem que mostrar
que ele está errado pelo discurso. Ele tem que ser vítima do próprio discurso.
Porque ele reclama tanto que o filho é gay, mas se ele fosse só ladrão e assassino
podia? Tem gente que diz isso. Que preferia ter filho ladrão.
O
Walcyr diz que Félix é mau, amargo, invejoso, por causa da repressão que sofreu
do pai. Mas se fosse assim todo gay seria mau caráter...
Ah, é... Isso aí eu também não concordo.
Senão tá quase anunciando um tipo de cura para desvios de caráter. E não é
isso. A discussão da novela é outra. Questiona-se ali se é isso mesmo, não
importa que as pessoas sejam felizes como quiserem, o que importa é uma família
de fachada.
Você
que sempre fez os galãs, acha que um ator homossexual perderia esse tipo de
papel na TV se saísse do armário?
Eu acho que isso já mudou. Não perderia por
causa da emissora. O problema hoje é outro. Há uma grande visibilidade da vida
privada dos atores. Então, se um ator acaba famoso porque na vida real ele bate
na mulher, fica difícil de o público engolir ele em um papel de bonzinho. O
mesmo para um ator gay.
Você
está ensaiando a segunda peça com seu filho. De que se trata?
É sobre uma família disfuncional, formada por
pai, mãe e três filhos. E um dos filhos é surdo. Mas ele é criado como se não
fosse. Eles o ensinam a falar e a ler lábios. Tudo corre bem até que ele
conhece um garota, que também está ficando, por quem ele se apaixona. O
problema é que ela está aprendendo a linguagem dos sinais e ensina pra ele.
Isso causa um alvoroço na família. Agora, troque filho surdo por filho gay. Não
parece a mesma discussão da novela? Estreia dia 14 de setembro, no Tuca, em São
Paulo. Meu filho, o Bruno Fagundes, faz o surdo.
Fonte: UOL
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