No negócio bilionário em que o futebol se
transformou, a transmissão de uma partida pela TV ocupa um lugar central. É um
evento complexo, tanto do ponto de vista técnico quanto informativo. Meio
entretenimento, meio jornalismo, é comandado por um narrador, cuja função é um
híbrido de apresentador de telejornal e comandante de programa de auditório.
Como qualquer outro programa, o objetivo de
uma transmissão esportiva é alcançar a maior audiência possível. O papel do
narrador, neste sentido, é fundamental. Ele é o animador, a quem cabe deixar o
espectador ligado em qualquer circunstância, inclusive num jogo muito ruim.
Há vários truques, macetes e formas de fazer
isso, mostra o recém-lançado “Grito de Gol: as vozes da emoção na TV” (Editora
Leitura, 212 págs., R$ 24,90), no qual o comentarista Bob Faria, do SporTV,
entrevista sete conhecidas vozes da televisão.
Não à toa, cabe ao mais importante narrador
esportivo da TV brasileira, Galvão Bueno, a percepção mais clara a respeito dos
significados deste trabalho. “Costumo dizer que sou um vendedor de
emoções.” E um vendedor, ensina Galvão,
não pode mentir, mas deve omitir, sempre que necessário, para convencer o
cliente a comprar o seu produto.
“Não adianta eu me esgoelar e dizer ‘que
maravilha!!!’ se o jogo não presta. Mas também não posso dizer que o jogo não
presta porque não posso convidar o telespectador a desligar a televisão”,
explica o narrador.
Em outra passagem da excelente conversa com
Bob Faria (foto ao lado), Galvão volta ao tema, depois que o repórter pergunta:
“Onde é que você arranja energia para manter o cara ligado duas horas?” Diz o
narrador: “No fim das contas, você é um chef de cozinha. Está faltando um pouco
mais de pimenta, você vai colocar pimenta; está faltando um pouco de sal, você
vai colocar sal; a comida está fria, você dá uma aquecida nela”.
E conclui: “São quase 40 anos fazendo isso e
você vai sabendo identificar e criar… Você tem que criar sempre um motivo para
o cara não ir embora. Para o cara não mudar de canal e ir embora”.
Milton Leite, do SporTV, diz algo parecido:
“Óbvio que é um trabalho jornalístico que a gente está fazendo, mas é muito
mais entretenimento nessa coisa de conquistar as pessoas para que elas fiquem
assistindo o jogo”.
Bob Faria vê uma transmissão de futebol pela
TV como uma construção dramática, como um filme ou uma peça de teatro, e
entende que o narrador, de certa forma, é o diretor de cena.
Cleber Machado também enxerga o seu trabalho
assim. “O futebol, esporte, não é isso, um roteiro? Você não pode partir do
princípio de que alguém é bandido ou mocinho numa competição esportiva, mas
você tem os opostos, você tem os caras que estão em conflito, em disputa”, diz,
reforçando a ideia de que a simples disputa pela bola em campo não é
suficiente: o narrador precisa vender emoções para conquistar o espectador.
O livro traz ainda entrevistas com Jota
Júnior, Luis Roberto, Rogério Corrêa e Silvio Luiz – este último é o único que
não trabalha para a Globo/SporTV, uma grave limitação do trabalho. Em todo
caso, para quem se interessa pela profissão de narrador ou tem curiosidade por
ela, “Grito de Gol” é uma contribuição importante.
Fonte: Mauricio Stycer, do UOL
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