domingo, 22 de outubro de 2017

Os pelados das novelas e por que são censurados hoje



Entre a segunda metade dos anos 1980 e meados dos 1990, o Brasil, passando por um período de ressaca pós ditadura, viveu anos de grande liberdade de expressão nas Artes e Comunicações em geral. Respirando os ares liberais da Nova República, o país ansiava por tirar o atraso de mais de vinte anos de repressão e cerceamento das liberdades.

E “tirar o atraso” aqui tem conotação sexual mesmo!

A TV também foi à forra, para compensar décadas de censura imposta a programas e novelas. Valia tudo no “liberou geral” da programação televisiva, de apresentadora erotizada de programa infantil a bordões engraçadinhos referenciando o ato sexual na novela das sete: quando Cássio Gabus Mendes dizia que ia “beber água” em Brega e Chique” (1987), ou quando Guilherme Leme estava a fim de “levar uns coelhos” em “Bebê a Bordo” (1988-1989), o público sabia exatamente do que se tratava.

Foi quando a nudez começou a pipocar em nossas novelas. A TV Manchete saiu na frente e entendeu que peladões chamavam audiência. Já em “Dona Beija” (1986), Maitê Proença surgia nua em pelo na cachoeira ou montada em um cavalo. O ápice foi a novela “Pantanal” (1990), com os banhos de rio de Cristiana Oliveira, Luciene Adami, Marcos Palmeira, Paulo Gorgulho, Andrea Richa, Giovanna Gold, Ângelo Antônio e outros.


Maitê Proença em “Dona Beija” | Banho de rio em “Pantanal”

A propósito, a Manchete mostrou tantos seios em sua dramaturgia que podemos apostar em uma banalização do recurso, em um período que vai de “Pantanal” e a minissérie “O Canto das Sereias” (1990) até “Xica da Silva” (1997). Mas tudo dentro do permitido para seus horários de exibição, de acordo com as diretrizes e parâmetros da época – que são bem diferentes dos de hoje.

A Globo não ficou de fora e mostrou peladonas estampando aberturas de novelas. Isadora Ribeiro causou um verdadeiro furor ao aparecer nua retorcendo como um tronco de árvore na abertura de “Tieta” (1989-1990, atualmente no canal Viva). Também Mônica Fraga na abertura de “Pedra Sobre Pedra” (1992) e Mônica Carvalho na de “Mulheres de Areia” (1993). Havia ainda peitos à mostra na abertura de “O Dono do Mundo” (1991) – as moças dentro do globo de Charles Chaplin, lembra?


Mas nada causou tanto frisson quanto o peladão na abertura da novela das sete “Brega e Chique”, em 1987 – espertamente embalada pela música “Pelado”, do Ultraje a Rigor. No primeiro capítulo, o modelo Vinícius Manne apareceu por segundos com o bumbum à mostra. No dia seguinte, atendendo alguns telespectadores indignados (já ouviu falar nas Senhoras de Santana? googla lá!), a Globo inseriu eletronicamente uma folha de parreira sobre a região glútea do rapaz.

Dois dias depois, após nova pressão popular (pedindo a retirada da folha), o então Ministro da Justiça Paulo Brossard desistiu da censura e o famoso traseiro voltou a ficar exposto, com o rapaz “pelado, pelado, nu com a mão no bolso”. O sucesso da bunda prosseguiu na capa do LP internacional da novela, exposta à luz do dia nas vitrines de lojas de discos e de departamentos em todo o Brasil.

A partir da segunda metade da década de 1990, o país aderiu a uma onda politicamente correta que fez desaparecer os peladões das grades livres das televisões, restringindo-os aos horários tardios. Curioso foi o caso da reprise de “Mulheres de Areia” entre 2011 e 2012, em que a nudez da moça da abertura foi “amenizada” para atender os padrões atuais e para evitar que a novela sofresse uma reclassificação de horário e não pudesse ser exibida no início da tarde.

Não critico o politicamente correto, desde que usado com bom senso. No caso dos programas de TV, acho que limites são necessários para calibrar o oba-boa generalizado que descamba para o mau gosto. Não que fossem de mau gosto os nudes nas aberturas de “Brega e Chique”, “Pantanal”, “Pedra Sobre Pedra”, “O Dono do Mundo” e “Mulheres de Areia”. Longe disso!

O problema está no conservadorismo exacerbado e intolerante travestido de politicamente correto que deturpa o bom senso em benefício de sua causa. E a histeria coletiva que pode levar. Curioso que nada disso é novo, e vem à tona de tempos em tempos.

Fonte: UOL

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