Peças
de teatro, romances, novelas, contos e crônicas. Se existiu um escritor
brasileiro cuja genialidade manifestou-se em estilos distintos, seu nome foi
Nelson Rodrigues. Pernambucano, nasceu em 23 de agosto de 1912 e, ainda menino,
em 1916, mudou-se com os pais para o Rio de Janeiro. Filho do jornalista Mário
Rodrigues - prestigiado dono de jornais como "A Manhã" e
"Crítica" -, ele adaptou-se muito cedo, aos 13 anos, à profissão que
exerceria.
Sua vida foi marcada por tragédias que
alteraram os rumos de sua carreira. Um dos mais notórios deles ocorreu em 1929,
quando publicou uma reportagem sobre seu divórcio de Sylvia Seraphim - o texto
dava indícios de traição. A ex-esposa, indignada, foi até a redação à procura
do proprietário do jornal e, não o encontrando, pediu para falar com um de seus
filhos. Roberto Rodrigues, irmão de Nelson, foi quem a atendeu: Sylvia o matou
com um tiro. Dois meses depois, seu pai, Mário Rodrigues, sofreu uma trombose
cerebral e faleceu. Nelson teve uma vida rodrigueana.
"Nelson encarou menos aplausos do que a
indignação da massa que retratava em suas obras - que a considerava pervertido.
Enquanto intelectual, o autor hesitava em defender ideologias e reflexões,
tampouco deixava de se envolver e situar a sua posição nos debates públicos -
fossem de cunho político, comportamental, artístico ou mesmo intelectual",
salienta Luiz Carlos Almeida, doutor em Literatura Brasileira, pela Unicamp.
Jornalista, dramaturgo e cronista esportivo,
ele morreu em 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, de trombose, insuficiência
cardíaca e respiratória. Foi enterrado com a bandeira do Fluminense, seu time
de coração. Deixou seis filhos: Joffre, Nelson, Maria Lucia, Paulo César, Sonia
e Daniela - além de 17 peças e 16 livros.
Da precoce e versátil carreira à fama que lhe
rende homenagens neste ano, em que se comemora seu centenário, a obra de Nelson
Rodrigues percorre a história brasileira no século 20 - e se mantém atual até
os dias de hoje.
Futebol
"Eu vos digo que o melhor time é o
Fluminense. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos
respondo: pior para os fatos". Em 1962, Nelson começou a escrever crônicas
esportivas, deixando transparecer toda a sua paixão por futebol - ofício que
ele alçou ao patamar de arte com suas antológicas. Até hoje ele é considerado
por muitos profissionais um ícone do gênero. O relato descritivo dos aspectos
factuais do jogo - escalação, esquema tático, etc. - não eram o foco de seus
textos. "Ele traduziu em palavras a dimensão da maior paixão brasileira -
o futebol. Suas crônicas esportivas ilustram a noção de uma "alma brasileira"
representada neste esporte, e podem por isso ser tomadas como palco, onde
tensões estéticas, históricas e sociais se manifestam. De modo geral, os
discursos de Nelson oscilaram, ora tratando o homem brasileiro como herói, ora
falando da falta de organização que se refletia nos campos de futebol.
Entretanto, sobretudo nos fins da década de 1950, ele escrevia de maneira
solitária, uma vez que elaborava discursos ufanistas de apoio à seleção
brasileira", explica Luiz Carlos Almeida.
Cronista
da sociedade brasileira
"Observador atento da realidade ao seu
redor, ele utilizava o recurso da crônica: gênero intermediário entre
literatura e jornalismo que tem nos fatos do cotidiano a principal fonte para a
sua construção. Os temas e os personagem que permeiam sua obra trazem um
retrato cru da sociedade brasileira - que ele considerava trágica. Assim,
trouxe à tona dramas familiares carregados de tabus, derrubou máscaras para
destrinchar o homem por trás das aparências sociais", comenta Flávio
Gattet, doutor em Teorias da Comunicação, da Escola de Comunicação e Artes, da
Universidade de São Paulo.
Há quem diga que Nelson Rodrigues não podia
ter vivido em mais propícia época. Ruy Castro (1995), biógrafo do autor, ao
organizar a edição de A Cabra Vadia, publicado pela editora Cia. das Letras,
escreveu que "poucos anos neste século foram tão extraordinários quanto
1968 - e, no Brasil, nenhum escritor foi mais atento a ele do que Nelson
Rodrigues". De fato, o cronista não deixava escapar os movimentos que
marcaram a época: o ideal hippie, a revolução sexual, o comunismo, o feminismo,
manifestações estudantis, greves, a ditadura de direita no Brasil, a MPB - nem
que a menção fosse de mero desprezo.
Teatro
Nelson Rodrigues revolucionou o perfil do
teatro brasileiro. A dramaturgia explora os conflitos da família e, a partir
dela, temas como a insatisfação e a infidelidade. Muitos personagens apresentam
uma incontrolável angústia sexual, pois suas práticas contrariam os valores
morais da sociedade. Outro ponto muito abordado é a dualidade da natureza
humana: ninguém é tão santo que não possa ter um canalha em si e vice-versa.
"Na maioria das obras do autor, a realidade tem apenas o papel de situar a
ação, que se concentra de fato sobre o universo interior das personagens. O jogo
entre a verdade interior - nem sempre psíquica - e a máscara social é outro
elemento recorrente", sintetiza Flávio.
Nelson
Rodrigues por Nelson Rodrigues
"Sou um menino que vê o amor pelo buraco
da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o
buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre
fui) um anjo pornográfico."
"Eu devia ter uns 7 anos. A professora
sempre mandava a gente fazer composição sobre estampa de vaca, estampa de
pintinho. Uma vez ela disse: ' Hoje cada um vai fazer uma história da própria
cabeça ' . Foi nesse momento que eu comecei a ser Nelson Rodrigues. Porque
escrevi uma história tremenda, de adultério." (entrevista concedida à
Revista Playboy em novembro de 1979).
"Todo autor é autobiográfico e eu sou
também. O que acontece na minha obra são variações infinitas do que aconteceu
na minha vida". (entrevista ao Jornal da Tarde, 1974).
Polêmicas e cheias de humor
Grande frasista, Nelson Rodrigues não poupava
palavras para tecer comentários sobre diversos aspectos das relações familiares
e do cotidiano. A maior parte delas estão reunidas no livro "Flor de
Obsessão", de Ruy Castro, publicado pela Cia. das Letras, em 1997.
"Invejo a burrice, porque é
eterna".
"Muitas vezes é a falta de caráter que
decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons
sentimentos...".
"As feministas querem reduzir a mulher a
um macho mal-acabado".
"O brasileiro é um feriado".
"A fidelidade devia ser
facultativa".
"Tudo passa, menos a adúltera. Nos
botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando
nas senhoras que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém".
"Pode não ser científico, mas é batata!
Eu disse que o amor morre no banheiro e provo. Quando um cônjuge bate na porta
do banheiro e o outro responde lá de dentro: "Tem gente!", não há
amor que resista! Portanto, nada de camas, nem de quartos separados. Separação
sim, de banheiros. Cada um deve ter seu trono exclusivo".
"O homem só é feliz pelo supérfluo. No
comunismo, só se tem o essencial. Que coisa abominável e ridícula!"
"Se cada um soubesse o que o outro faz
dentro de quatro paredes, ninguém se cumprimentava".
"O jovem só pode ser levado a sério
quando fica velho".
"Toda unanimidade é burra. Quem pensa
com a unanimidade não precisa pensar".
"A companhia de um paulista é a pior
forma de solidão".
"A grande tragédia da carne começou
quando o homem separou o sexo do amor. Como não somos vira-latas, nem urramos
no bosque, o sexo sem amor é um progressivo suicídio".
"Toda mulher bonita é um pouco a
namorada lésbica de si mesma."
"Tarado é toda pessoa normal pega em
flagrante".
"Num casamento, o importante não é a
esposa, é a sogra. Uma esposa limita-se a repetir as qualidades e os defeitos
da própria mãe".
"Só o cinismo redime um casamento. É
preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata"
Fonte: Yahoo
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