"Inconformista". Esse é o adjetivo
que o baiano Alfredo de Freitas Dias Gomes (1922-1999), autor de "O
Pagador de Promessas", "O Bem-Amado" e "Roque
Santeiro" -peças que viraram novelas- usava com orgulho para falar de sua
obra e de si.
"Meu teatro, como tudo que escrevo, é
inconformista. Quando você se conforma, não há por que escrever mais. Se você
está de acordo com tudo, não há razão para ocupar o tempo de ninguém."
A declaração dada ao programa "Roda
Viva", em 1995, é uma das que estão no livro "Dias Gomes", uma
compilação de depoimentos organizada por suas filhas Luana e Mayra Dias Gomes,
que será lançada na próxima sexta (19/10), quando o dramaturgo completaria 90
anos.
"Montar este livro foi uma maneira que
eu e minha irmã encontramos de conhecê-lo melhor", diz Mayra, filha de
Dias com sua segunda mulher, a atriz Bernadeth Lyzio; ela tinha 11 anos (sua
irmã Luana, 8) quando o pai morreu, em um acidente numa corrida de táxi em São
Paulo.
Segundo Mayra, o autor deixou caixas lotadas
de reportagens e textos, incluindo trabalhos inéditos "que provavelmente
virão à tona nos próximos anos".
Criador de uma série de personagens que
perduram no imaginário popular com seus trejeitos e bordões -Sinhozinho Malta e
Viúva Porcina (de "Roque Santeiro"), Odorico Paraguaçu (de "O
Bem-Amado"), Tucão (de "Bandeira 2") etc.-, Dias, pai da
telenovela genuinamente brasileira, era primordialmente um homem de teatro.
Começou a escrever aos 15 anos e foi encenado
pela primeira vez aos 19, quando Procópio Ferreira montou
"Pé-de-Cabra" (1942), que foi sua primeira obra censurada.
Socialista até o fim da vida, filiado ao
Partido Comunista, imprimiu à sua produção um tom de crítica política e sátira
social que lhe renderia fama e perseguição.
Com a decretação do AI-5 em 1968, "ficou
impossível exercer qualquer atividade cultural neste país", o que o levou
à TV. "Lá era o único local em que poderia trabalhar para
sobreviver", disse em entrevista presente no livro de suas filhas.
Com sua entrada na Globo, em 1969, colegas
comunistas acusaram-no de estar se vendendo. "Houve um certo
patrulhamento, mas não de pessoas que eu respeitasse", disse no "Roda
Viva".
Dias considerou que teve liberdade para
criar: "Sempre escrevi sem intervenção nenhuma. Quer dizer, eu podia ser
um som dissonante dentro da Globo, como era 'O Bem-Amado', que passava alguma
crítica ao regime."
Usou o espaço que teve para revolucionar a
teledramaturgia, impondo a temática brasileira e o "realismo crítico"
às novelas, quase todas adaptações de suas peças.
Também inaugurou a novela em cores com
"O Bem-Amado" (1973), que está sendo relançada em caixa de dez DVDs
(R$ 165, Globo Marcas); introduziu ainda o realismo fantástico na TV, com
"Saramandaia" (1976), que vai ser refeita pela Globo como sua próxima
novela das 23h.
Seu aniversário, na próxima sexta, será
comemorado em evento na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio, organizado
por uma de suas filhas com a novelista Janete Clair (1925-1983), a
violoncelista Denise Emmer.
"Estou bolando a homenagem há mais de um
ano. Acho que meu pai está bastante esquecido, principalmente como homem de
teatro."
Para ela, se seu pai estivesse vivo,
"estaria à tarde assistindo ao mensalão na TV". Inconformista,
encontraria material farto no julgamento. "E faria uma paródia da situação
política atual, com bastante imaginação."
Fonte: Folha
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