quinta-feira, 16 de maio de 2013

Por que a Globo descobriu o Pará


Nenhum Estado brasileiro, afora o Rio de Janeiro e São Paulo, foi tão promovido pela TV Globo quanto o Pará nos últimos anos. Entende-se a intensa atenção em torno das duas maiores cidades do país, que concentram quase 10% da população brasileira e parcela ainda maior da sua riqueza. Rio e São Paulo são os cenários preferenciais das novelas da Globo, que tem sua sede na capital fluminense. Belém possui menos de 1% da população nacional e o Pará é o 17º da federação pelo índice de desenvolvimento humano, o IDH.

Mas qual é o outro Estado no qual a emissora afiliada da família Marinho tem sua programação anunciada por algumas das principais estrelas da Venus Platinada? Quais os outros Estados que já serviram de tema para novelas, episódios de séries, documentários e intensa promoção, como a concedida à cantora Gaby Amarantos (“a Beyoncé paraense”), o conjunto Calypso, gêneros ditos musicais, como o tecnobrega, e outros elementos da cultura musical paraense, alçados à condição de hits na Rede Globo?

Não era – e nunca tinha sido – assim antes de um fato que traumatizou a direção da Globo, dependente da liderança maciça, incontestável e inalcançável há quase quatro décadas: o risco de perder essa posição no Pará. Quem ameaçava a liderança absoluta de outros tempos era a sua maior concorrente nacional, a Rede Record, do pastor bilionário Edir Macedo.

Em alguns horários a emissora de propriedade da Record em Belém superou a afiliada local da Globo, a TV Liberal, da família Maiorana. Originário da Itália, Romulo Maiorana, pai, chegou a Belém em 1953. Em 1966 comprou um jornal de partido (o PSD do coronel Magalhães Barata, o maior caudilho do norte do país) falido, O Liberal.

Seis anos depois o diário foi um dos pioneiros na implantação do moderno sistema de impressão a frio, o off-set. Em 1976 colocou no ar a TV Liberal, depois de tirar a afiliação à Globo da TV Guajará, que pertencia a uma rica família local. Graças a essa conquista, a Liberal começou já em primeiro lugar e se consolidou. Com jornal, rádio e televisão, Maiorana criou o maior império de comunicação da Bahia para cima. Foi o patrimônio que passou aos filhos ao morrer, em 1986.

No mês passado a TV Liberal comemorou seus 37 anos anunciando resultados que, em tempos recentes, seriam considerados normais; agora, voltaram a surpreender: seu índice de audiência se tornou o maior dentre as 117 emissoras afiliadas da Rede Globo de Televisão em todo o Brasil. Não era o que parecia indicar seu rumo poucos anos atrás.

Nessa época os equipamentos da emissora da família Maiorana estavam sucateados, os investimentos em qualidade eram mínimos, seu pessoal estava desmotivado e havia cisões internas. Temendo que o trunfo pudesse ser usado pela Rede Record nacionalmente, num momento delicado da concorrência então acirrada entre as duas emissoras, a Globo resolveu aumentar o peso da sua mão na condução da Liberal.

A empresa da família Marinho já interviera no jornalismo da Liberal, passando a comanda-lo. Não foi o bastante. Assumiu então a parte técnica e financeira da afiliada. Exigiu a melhoria e atualização dos equipamentos, incitou a adoção da imagem de alta definição e forçou a compra de um helicóptero para a cobertura aérea diária da cidade e para os deslocamentos jornalísticos necessários.

Também esses investimentos não seriam suficientes. A direção nacional da rede passou a incluir o Pará na sua programação, do jornalismo às novelas, deslocando-se até a ilha de Marajó ou fazendo a propaganda da praia (de água doce) de Alter-do-Chão, apontada como uma das melhores do mundo. Escalou atores globais e jornalistas da sede para fazer chamadas da emissora do Pará na programação nacional. Criou estrelas locais, a mais brilhante das quais é Gaby Amarantos, hoje no firmamento nacional.

Nunca a emissora da família Marinho fez tanto por uma afiliada, quase como se ela se tivesse tornado de sua propriedade (meta vetada pela legislação, porque a Globo já tem cinco emissoras suas fora do Rio). O risco, que era alto, exigiu esse envolvimento integral. Os resultados apresentados no aniversário dos 37 anos tinham a marca Global, embora o autor da façanha não pudesse ser citado.

A história verdadeira jamais aparecerá. Não interessa à própria Globo. Seus telespectadores devem continuar a achar que a gigante do Jardim Botânico finalmente descobriu o Pará e a Amazônia, saiu do litoral para os sertões distantes e desconhecidos. É assim mesmo que o Brasil do alto da hierarquia trata a sua maior fronteira de recursos naturais. Um interesse que, como o tão falado desenvolvimento, não é sustentável, mas ocasional.

Fonte: Yahoo

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