Nenhum Estado brasileiro, afora o Rio de
Janeiro e São Paulo, foi tão promovido pela TV Globo quanto o Pará nos últimos
anos. Entende-se a intensa atenção em torno das duas maiores cidades do país,
que concentram quase 10% da população brasileira e parcela ainda maior da sua
riqueza. Rio e São Paulo são os cenários preferenciais das novelas da Globo,
que tem sua sede na capital fluminense. Belém possui menos de 1% da população
nacional e o Pará é o 17º da federação pelo índice de desenvolvimento humano, o
IDH.
Mas qual é o outro Estado no qual a emissora
afiliada da família Marinho tem sua programação anunciada por algumas das
principais estrelas da Venus Platinada? Quais os outros Estados que já serviram
de tema para novelas, episódios de séries, documentários e intensa promoção,
como a concedida à cantora Gaby Amarantos (“a Beyoncé paraense”), o conjunto
Calypso, gêneros ditos musicais, como o tecnobrega, e outros elementos da
cultura musical paraense, alçados à condição de hits na Rede Globo?
Não era – e nunca tinha sido – assim antes de
um fato que traumatizou a direção da Globo, dependente da liderança maciça,
incontestável e inalcançável há quase quatro décadas: o risco de perder essa
posição no Pará. Quem ameaçava a liderança absoluta de outros tempos era a sua
maior concorrente nacional, a Rede Record, do pastor bilionário Edir Macedo.
Em alguns horários a emissora de propriedade
da Record em Belém superou a afiliada local da Globo, a TV Liberal, da família
Maiorana. Originário da Itália, Romulo Maiorana, pai, chegou a Belém em 1953.
Em 1966 comprou um jornal de partido (o PSD do coronel Magalhães Barata, o
maior caudilho do norte do país) falido, O Liberal.
Seis anos depois o diário foi um dos
pioneiros na implantação do moderno sistema de impressão a frio, o off-set. Em
1976 colocou no ar a TV Liberal, depois de tirar a afiliação à Globo da TV
Guajará, que pertencia a uma rica família local. Graças a essa conquista, a
Liberal começou já em primeiro lugar e se consolidou. Com jornal, rádio e
televisão, Maiorana criou o maior império de comunicação da Bahia para cima.
Foi o patrimônio que passou aos filhos ao morrer, em 1986.
No mês passado a TV Liberal comemorou seus 37
anos anunciando resultados que, em tempos recentes, seriam considerados
normais; agora, voltaram a surpreender: seu índice de audiência se tornou o
maior dentre as 117 emissoras afiliadas da Rede Globo de Televisão em todo o
Brasil. Não era o que parecia indicar seu rumo poucos anos atrás.
Nessa época os equipamentos da emissora da
família Maiorana estavam sucateados, os investimentos em qualidade eram
mínimos, seu pessoal estava desmotivado e havia cisões internas. Temendo que o
trunfo pudesse ser usado pela Rede Record nacionalmente, num momento delicado
da concorrência então acirrada entre as duas emissoras, a Globo resolveu
aumentar o peso da sua mão na condução da Liberal.
A empresa da família Marinho já interviera no
jornalismo da Liberal, passando a comanda-lo. Não foi o bastante. Assumiu então
a parte técnica e financeira da afiliada. Exigiu a melhoria e atualização dos
equipamentos, incitou a adoção da imagem de alta definição e forçou a compra de
um helicóptero para a cobertura aérea diária da cidade e para os deslocamentos
jornalísticos necessários.
Também esses investimentos não seriam
suficientes. A direção nacional da rede passou a incluir o Pará na sua
programação, do jornalismo às novelas, deslocando-se até a ilha de Marajó ou
fazendo a propaganda da praia (de água doce) de Alter-do-Chão, apontada como
uma das melhores do mundo. Escalou atores globais e jornalistas da sede para
fazer chamadas da emissora do Pará na programação nacional. Criou estrelas
locais, a mais brilhante das quais é Gaby Amarantos, hoje no firmamento
nacional.
Nunca a emissora da família Marinho fez tanto
por uma afiliada, quase como se ela se tivesse tornado de sua propriedade (meta
vetada pela legislação, porque a Globo já tem cinco emissoras suas fora do
Rio). O risco, que era alto, exigiu esse envolvimento integral. Os resultados
apresentados no aniversário dos 37 anos tinham a marca Global, embora o autor
da façanha não pudesse ser citado.
A história verdadeira jamais aparecerá. Não
interessa à própria Globo. Seus telespectadores devem continuar a achar que a
gigante do Jardim Botânico finalmente descobriu o Pará e a Amazônia, saiu do
litoral para os sertões distantes e desconhecidos. É assim mesmo que o Brasil
do alto da hierarquia trata a sua maior fronteira de recursos naturais. Um
interesse que, como o tão falado desenvolvimento, não é sustentável, mas
ocasional.
Fonte: Yahoo
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