Na redação do Jornal Hoje, Sandra Anneberg, 48 anos, nem liga se a hora do almoço se aproxima. Ela já está prestes a entrar no ar, mas não sem antes bater um papo exclusivo com a revista Contigo! para falar sobre carreira, família e feminismo. Dos 25 anos de TV Globo, os últimos 15 foram dedicados ao JH, que completou 45 anos de existência em abril. “Eu cresci assistindo ao telejornal enquanto almoçava”, lembra. “É um jornal mais falado, coloquial. Ele inaugurou uma linguagem mais ‘lá em casa’. Eu sempre penso, quando apresento, o que eu falaria se estivesse assistindo. Sempre tentei fazer parecer uma conversa, é olho no olho, é o senta que lá vem história”, explica. Além do telejornal, ela está no ar todos os sábados de manhã com o Como Será?. “Eu digo que é o meu oásis. Gravo às quintas, entro no estúdio às 18h e saio às 22h, mas é um jeito de dar um respiro nessas notícias duras. São notícias boas. Eu continuo acreditando no ser humano”, diz.
Ao longo de tantos anos na bancada, Sandra já passou por algumas experiências memoráveis. Foi correspondente internacional por dois anos em Londres, estava presente nos dois últimos conclaves para a escolha dos novos papas, cobriu as três últimas Copas do Mundo e também acompanhou tragédias como a queda do avião da Air France, em 2009, e o incêndio na Boate Kiss, em 2013. No entanto, o que mais marcou foi uma reportagem sobre viciados em crack, há três anos. “A matéria mostrava um sinal invertido: uma filha à procura da mãe viciada. Ela encontra a mãe, que pede ajuda: ‘Filha, me tira daqui’. Até hoje me lembro, porque é muito chocante e dolorido. O jornal voltou e eu não conseguia falar”, recorda, com os olhos cheios de lágrimas.
Sandra conquista pelo carisma, a fala fácil e a falta de medo em se deixar envolver pelas notícias. Ela, que já dançou balé clássico, participou de mais de 50 comerciais, além de novelas e minisséries, acabou escolhendo seguir o sonho de infância: ser jornalista. “Não me via nessa coisa glamourosa. Se você me encontrar na rua, estou de óculos e roupas simples. Eu não cultuo uma imagem. Eu sou eu em frente às câmeras e serei eu fora daqui”, dispara.
ROTINA JORNALÍSTICA “Acordo cedo, levo minha filha para a escola e venho para cá umas 8h30. Começo a trabalhar e vou até o fim do jornal. Vida de jornalista não para, estamos com o telefone o tempo todo, checando notícias, pensando na edição do dia seguinte. Tenho paixão por isso, porque é muita adrenalina e você vai narrando a história, construindo aquilo ao lado do telespectador. Ultimamente, a notícia que você deu de manhã já é outra à noite. Mas, fora isso, é um trabalho como outro qualquer. Não penso em largar a bancada. Se surgir alguma oferta, por que não? Mas não gosto de planejar minha carreira, sigo a filosofia de Zeca Pagodinho: ‘Deixa a vida me levar!’”
SANDRA E EVARISTO “A gente tem uma relação profissional ótima, uma química bacana, já são dez anos juntos. É uma relação diária de muito respeito, companheirismo. Ele tem a vida dele, a família dele, os amigos dele e eu tenho os meus. Eu não convivo muito com as pessoas do trabalho. Talvez seja tão envolvente que, quando a gente se encontra no dia seguinte, parece que nem deixamos de nos ver. Acho que, por isso, cada um precisa tocar sua vida, respirar um pouco longe daqui.”
VERSÃO FAMÍLIA “Eu e meu marido (o jornalista Ernesto Paglia, 57) não gostamos de falar de trabalho. Estamos casados há 22 anos, é uma relação de muito amor e admiração. O trabalho dele exige que ele viaje para longe, eu tenho uma rotina mais fixa. A gente fica esperando pelos momentos que os dois estão livres. Nós somos muito caseiros. Gosto de ler, cuidar da minha casa, fazer ginástica, viajar. É uma relação saudável e alegre. Nossa filha (Elisa, 13) diz que quer ser atriz. Ela tem uma certa má vontade com jornalismo por conhecer tudo o que exige de nós, o quanto a gente deixa de ficar com ela por trabalhar.”
SUCESSO NAS REDES “É impressionante. Qualquer coisinha vira algo gigantesco. Eu não sou uma pessoa muito ligada nas redes. O Facebook funcionou para mim como um ponto de reencontro com amigos do passado. O Instagram, minha filha criou e eu nem uso. Nada contra quem gosta, mas acho que meu trabalho já me expõe o suficiente, bato ponto ali na casa das pessoas todos os dias, já sabem onde me encontrar. O meu tempo é mais importante do que ficar sentado atrás do computador. Gosto do olho no olho, falar cara a cara.”
CELEBRIDADE? “Eu não sou notícia, não sou celebridade. Eu sou jornalista, uma profissional da notícia. Eu entendo que as pessoas se confundam, mas artista é artista e jornalista é jornalista. Assédio de fãs não me incomoda se for respeitoso. Eu sou uma pessoa pública até a página 2, minha vida não é pública.”
FEMINISMO “Fui criada por uma feminista, sou uma feminista e ser feminista é ser pela igualdade de direitos entre todos os sexos. Eu me orgulho muito de ter sido a primeira mulher a entrar diariamente no Jornal Nacional, a ter um quadro fixo como menina do tempo. Sou de um tempo em que a mulher dividia a bancada como um refresco para os olhos como se ela não tivesse o que dizer, não tivesse o mesmo peso do homem. Sou de um tempo que o homem abria o telejornal e a mulher vinha na sequência. Eu perguntava: ‘Por que todo dia ele que abre?’ Parece bobagem, mas é muito significativo. Socialmente, a mulher sempre teve um papel menor, profissionalmente menor ainda. Os salários são diferentes, sempre mais baixos, mesmo na mesma função de um homem.”
ASSÉDIO SEXUAL “As mulheres sempre tiveram sobrecarga de trabalho porque acumularam a função de mãe, dona de casa e trabalhar fora. Eu fui discriminada, sofri preconceito, sofri assédio sexual, como todas as mulheres, mas eu fui reagindo. Nós mulheres temos de provar muito mais que somos capazes. Todos os dias. É um trabalho de formiguinha conseguir conquistar esse espaço. Fico feliz de entregar a minha filha um mundo um pouquinho mais igualitário e justo.”
Fonte: Contigo
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