Assistir à novela das nove, por incrível que
pareça, se tornou um desafio intelectual. Como num complexo jogo da memória, o
espectador dedicado tem que associar nome e imagem de nada menos do que 84
personagens, distribuídos por oito núcleos, se quiser acompanhar Salve Jorge,
no ar há três semanas. O número, que não inclui participações breves de atores,
já garante à trama o título de maior elenco da faixa nos últimos 12 anos. Sua
antecessora, Avenida Brasil, tinha muito menos, modestos 51 personagens.
Característica inerente aos folhetins de Gloria Perez, a superlotação é uma
tática da autora para testar a receptividade e moldar a história de acordo com
o gosto do público, apagando e destacando personagens ao longo do folhetim. Mas
é, também, um risco que Salve Jorge tem provado não ser nada desprezível. O
excesso de núcleos e histórias paralelas causa uma dispersão capaz de cansar o
espectador e comprometer a audiência da trama, que já chegou a marcar 26 pontos
no Ibope na Grande São Paulo, índice raso para o horário das nove (o ideal, para
a Globo, são 40 pontos).
Oficialmente, a Globo culpa a propaganda
eleitoral e o horário de verão pelo mau resultado das primeiras semanas da
novela. Mas eles não deveriam ser sentidos na terceira semana da trama –
afinal, o espectador se acostumou ao novo horário e a eleição já passou. E essa
foi uma dura semana para Salve Jorge. A novela começou com 32 pontos na
segunda-feira, dia em que iria ao ar a cena – aliás cortada – do estupro de
Jéssica, personagem de Carolina Dieckmann. Na terça, caiu para 31. Na quarta,
nova queda: 29 pontos. “Muita gente atrapalha", diz José Bonifácio de
Oliveira Sobrinho, o Boni,
ex-todo-poderoso da Rede Globo. "Elencos grandes impedem que o
espectador entenda a trama e se interesse pela novela.” Boni sugere um teto
baixo para o número de personagens: 30.
É claro que o número de personagens não é o
único fator responsável pela audiência de uma novela. Há folhetins bastante
povoados que vão bem no Ibope, caso da mediana Fina Estampa, que dava para o
gasto em termos de qualidade e audiência, e também novelas com pouca gente que
naufragam, como a atual Guerra dos Sexos, na casa dos 23 pontos. Esses são,
contudo, casos menos frequentes que podem ser explicados pelo interesse que as
tramas despertam no espectador e pelo carisma dos personagens principais. Mas
um elenco mais enxuto de personagens e de tramas pode garantir uma agilidade
maior ao texto, como aconteceu com Avenida Brasil, que também contava com um
tema clássico (vingança) e personagens carismáticos (mesmo a vilã Carminha caiu
no gosto popular).
De fato, manobrar um elenco pesado como o de
Salve Jorge impede reviravoltas como as vistas na trama eletrizante de João
Emanuel Carneiro, que parece ter deixado o espectador mal acostumado. “Saímos
de uma novela com pique narrativo para o estilo Gloria Perez, que,
comparativamente, é lento. E que precisa começar devagar para apresentar ao
público a cultura exótica da vez, em cenas mais descritivas do que ativas”, diz
Maria Ataíde Malcher, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
da Universidade Federal do Pará e doutora em teledramaturgia pela USP.
Essa vagarosidade descritiva também ajuda a
explicar a dificuldade encontrada por Salve Jorge para emplacar no Ibope.
Gloria Perez faz questão de ser didática, apresentando os costumes do país
distante que escolheu retratar. Em Salve Jorge, ilustres desconhecidos do
público explicam a origem dos banhos turcos e os rituais seguidos no ambiente
doméstico da Turquia. A dedicação em transportar a audiência para as margens do
Estreito de Bósforo dificulta a liga com os espectadores, que já estão confusos
com a miríade de personagens oferecidos, em núcleos que vão da Turquia ao
Complexo do Alemão, passando por Madri, onde uma russa, Irina (Vera Fischer),
comanda um globalizado bordel de garotas brasileiras.
“Os núcleos estrangeiros repetem expressões
numa língua que é esquisita para os brasileiros. É preciso tempo para as frases
caírem na boca do povo e, até lá, as cenas causam estranhamento”, diz Maria
Immacolata Vassallo de Lopes, professora titular do Centro de Estudos da
Telenovela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo
(ECA/USP). Segundo Maria Immacolata, esses núcleos contribuem para o
prolongamento do chamado período de luto, termo usado para determinar a
transição de uma novela para outra.
Fonte: Veja
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