Recentemente, em uma longa reportagem dominical, o "New York Times" recomendou: "Qualquer um que queira entender o Brasil, e suas atuais agruras, deve prestar atenção à tórrida e peculiar relação entre os brasileiros e suas novelas".
Um debate público que vem ocorrendo nos últimos meses entre autores de novelas da Globo parece dar razão ao jornal americano. O que motiva a discussão, de forma mais aparente, são os números de audiência. Mas há algo mais em jogo.
No esforço de atender as demandas de um público cada vez mais disperso, a Globo acolheu algumas tentativas de renovar ou, ao menos, de "sacudir" o gênero nos últimos anos. O beijo na boca entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg no primeiro capítulo de "Babilônia" se enquadrou neste movimento.
O fracasso da novela de Gilberto Braga, porém, teve o efeito de reforçar um ponto de vista cômodo a muitos autores –o de que não é possível discutir alguns temas no horário nobre por conta de um suposto conservadorismo do público.
Exibida entre março e agosto de 2015, "Babilônia" registrou média final de 25,45 pontos em São Paulo (cada ponto equivale a 197,8 mil espectadores), a pior da história do horário das 21h.
Coincidência ou não, desde a estreia de "Velho Chico", em março de 2016, um outro tema entrou em pauta –o de que as novelas não devem fugir de um modelo básico, "clássico", que as consagraram.
Em julho, entrevistado no "Roda Viva", Aguinaldo Silva criticou: "O grande problema das novelas é que os autores ficaram meio envergonhados de fazer novela e começaram a fazer antinovela. Nem melodrama nem folhetim. O público quer ver herói e vilão", disse.
Esta semana, em duas entrevistas à Folha, visões semelhantes foram defendidas. O veterano Walter Negrão, que acaba de estrear "Sol Nascente", resumiu o gênero de sua trama: "É o folhetim, que sempre existiu". E advertiu: "Quando desprende da origem, se esborracha."
Irônico, Negrão acrescentou: "Na verdade, tem uma definição muito simples de novela do Walter Durst [1922-1997]: são dois querendo ir para a cama e alguém empatando. A novela clássica é essa, e no fim eles [os mocinhos] se casam."
Já Maria Adelaide Amaral, uma das autoras de "A Lei do Amor", trama que substituirá "Velho Chico", defendeu: "Novela é melodrama. São as regras fundamentais do gênero, não tem como escapar. Quando eu quero escapar, sento e escrevo uma peça de teatro."
Esta defesa da "tradição" encontra respaldo em números de audiência positivos alcançados por novelas recentes que seguiram rigorosamente a "cartilha", como "Totalmente Demais" e "Êta Mundo Bom".
Ninguém menciona especificamente "Velho Chico", mas é difícil não enxergar nestes comentários uma alusão ao texto de Benedito Ruy Barbosa, com sua nítida ambição política e desprezo aos clichês do gênero, bem como à comovente encenação do diretor Luiz Fernando Carvalho, criticada como "lenta" e "barroca".
A insistência no velho modelo e o desdém diante de esforços "fora da curva" não surpreendem em um meio que depende tanto de audiência e publicidade. Garantir alguns números razoáveis no curto prazo, porém, não assegura um lugar no bonde para o futuro que parte do público já tomou.
Fonte: Folha
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