“O caso de Carlos Alberto, do Fluminense.
Tinha vindo do América, com os Mendonças, Marcos e Luis. Enquanto esteve no
America, jogando no segundo time, quase ninguém reparou que ele era mulato.
Também Carlos Alberto, no America, não quis passar por branco. No Fluminense
foi para o primeiro time, ficou logo em exposição. Tinha de entrar em campo,
correr para o lugar mais cheio de moças na arquibancada, parar um instante,
levantar o braço, abrir a boca num ‘hip, hip, hurrah’.
Era o momento em que Carlos Alberto mais
temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara
de pó-de-arroz, ficando quase cinzento. Não podia enganar ninguém, chamava até
mais atenção. O cabelo de escadinha ficava mais escadinha, emoldurando o rosto,
cinzento de tanto pó-de-arroz.
Quando o Fluminense ia jogar com o America, a
torcida de Campos Sales caia em cima de Carlos Alberto:
– Pó-de-arroz! Pó-de-arroz!
A torcida do Fluminense procurava esquecer-se
de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino.”
A história de Carlos Alberto, jogador do
Fluminense nos primeiros anos do século 20, está contada em “O Negro no Futebol
Brasileiro”, livro que Mario Filho, irmão de Nelson Rodrigues, publicou em
1947, com prefácio de Gilberto Freyre. É uma entre as muitas histórias
dolorosas e dramáticas que tratam do processo de popularização do futebol
brasileiro, nascido como um esporte de elite, no final do século 19.
Esta história foi reencenada, com as devidas
adaptações e simplificações, no capítulo de terça-feira (5) de “Lado a Lado”, a
novela das 18h da Globo, escrita por João Ximenes Braga e Claudia Lage. Bom de
bola, o personagem Chico (César Mello), negro, é convocado por Albertinho
(Rafael Cardoso) para ajudar o time dos riquinhos.
Assim como Carlos Alberto no Fluminense,
Chico enche a cara de pó-de-arroz, o que chama a atenção de seus colegas de
equipe e de Zé Maria (Lazaro Ramos), seu amigo. O jogador impressiona por seu
talento e ginga. Dribla, faz gol de bicicleta e arma jogadas incríveis.
A reação negativa, inclusive por parte de
colegas de equipe, é associada na cena a racismo. “Foi a única maneira que
encontrei de ele não ser expulso. Ninguém ia aceitar um negro aqui jogando
futebol. Agora que todo mundo viu o talento do seu amigo, não importa mais se
ele é preto ou branco”, diz Albertinho a Zé Maria.
Foi mais um bom momento de “Lado a Lado”, uma
novela que tem sido muito feliz ao apresentar um panorama histórico não muito
conhecido em meio a um tradicional melodrama, com tudo a que tem direito.
Leia mais: Além de O Negro no Futebol
Brasileiro”, de Mario Filho, recomendo a leitura, para quem tem interesse sobre
este período do futebol brasileiro, do excelente “Footballmania – Uma história
social do Futebol no Rio de Janeiro, 1902-1930)”, de Leonardo Affonso de
Miranda Pereira.
Fonte: Maurício Stycer, do UOL
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