sábado, 14 de maio de 2011

Crimes em telenovelas obedecem à lógica da audiência


Inspirado num modelo consagrado pela literatura policial, o recurso do "quem matou?" apresenta características muito especiais nas telenovelas brasileiras. A constatação é do pesquisador Claudino Mayer, que lança nesta quarta-feira (11) na Livraria Cultura do Bourbon Shopping Pompéia, em São Paulo, um livro inteiramente dedicado ao assunto.

Mayer mostra no seu livro que o "quem matou?" nas novelas obedece não à lógica do gênero policial, mas a da audiência. No esforço de enganar a imprensa e manter a audiência presa à televisão, qualquer personagem pode ser escolhido como autor do crime, diz ele.

"Quem Matou... O romance policial na telenovela" (Annablume, 234 págs., R$ 40) estuda, em detalhes, três grandes sucessos - "O Astro", de Janete Clair, "Vale Tudo", de Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Basserès, e "A Próxima Vítima", de Silvio de Abreu.

Não por acaso, a primeira, que celebrizou o "quem matou Salomão Hayala?", vai ganhar uma nova versão, mais curta, escrita por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, com estreia prevista para julho de 2011. Já a segunda, famosa pelo "quem matou Odete Roitman?", é hoje um dos carros-chefe do canal pago Viva, especializado em reprises da programação da Globo.

O livro reproduz uma curiosa entrevista de Janete Clair (1925-1983) à revista "Amiga" e traz conversas do autor com Leonor Basserès (1926-2004) e Silvio de Abreu. É este último que confirma a tese de Mayer e admite que deixaria a coerência de lado e mudaria o autor de um crime para manter o suspense da novela.


Foi Janete Clair quem introduziu o romance policial na teledramaturgia brasileira?
Janete tornou o gênero policial na telenovela mais popular. Com a morte do Salomão Hayala ("O Astro"), ela conseguiu mexer com o imaginário popular. A morte provocou curiosidade, apostas, dúvidas, questionamentos que até então não se havia percebido em telenovelas. Antes da Janete, outros autores discutiram o gênero policial, mas as tramas não tiveram a mesma repercussão. Uma telenovela estritamente policial foi o Rebu (1974/75). Mesmo tendo questionamentos como "quem matou?", "quem morreu?", "por que matou?", Bráulio Pedroso não conseguiu motivar o público e a imprensa. Em matéria de repercussão, quem definitivamente tornou mais conhecida a pergunta "Quem matou?" foi a Janete.

Você concorda com Lauro Cesar Muniz, para quem "se uma novela vai mal, um assassinato ajuda a resolver"?
Concordo plenamente. O crime bem narrado provoca questionamentos no público e torna uma narrativa monótona mais interessante. Os crimes em uma trama refletem um determinado período ou época da nossa sociedade. A pergunta "quem matou?" conduz o telespectador a diversas possibilidades lógicas de reflexão para chegar ao assassino. Essa fórmula de perguntar não está desgastada porque ela é um recurso discursivo do gênero policial. Faz parte da memória coletiva e individual de cada telespectador. Não é de hoje que o gênero policial desperta interesse no campo da ficção. No mundo real o público quer ser "detetive" para desvendar os mais variados tipos de crimes que estão acontecendo no seu cotidiano.

Qual é o seu crime preferido em telenovela?
Eu não tenho um crime preferido. Acho que cada crime teve sua especificidade e atendeu as necessidades de uma época e da sociedade. Eu, então, escolheria como destaque a morte da Odete Roitman e a do Salomão Hayala. Por quê? Esses dois crimes foram significativos entre tantos outros por terem tido grandes repercussões junto ao público e mídia. O país "parou" para elucidar esses dois crimes. Quem não assistia essas telenovelas passou a acompanhá-las com o objetivo de descobrir o criminoso.


Ser assassino em novela é, de fato, um problema para os atores? Por quê?
O crime pode causar ao ator de primeiro escalão um estigma. O público mesmo sabendo que é uma obra de ficção rejeita o vilão e não aceita ver uma pessoa querida cometer crime no ultimo capitulo. Outros atores não gostam de ser assassinos porque podem perder os dividendos que o personagem traz em campanhas publicitárias, etc. Atores como Tony Ramos, Glória Pires, Regina Duarte, Marília Pêra, Antonio Fagundes, Tarcisio Meira, Fernanda Montenegro, Gloria Menezes podem até ser assassinos. Mas não no último capitulo. Se forem assassinos, eles terminarão sempre em um hospício, em uma ilha paradisíaca ou morrendo. É a maneira que o autor tem para redimir a má imagem do ator. Nesse momento, a imagem do ator e sua credibilidade junto ao público é mais importante.

Algum exemplo?
Glória Pires, por mais maldade que sua personagem faça em "Insensato  Coração", o público irá sempre dizer que a Norma (ou a atriz) estaria certa em se vingar de Leonardo (Gabriel Braga Nunes). Para o ator desconhecido, o crime compensa, e não causa estigma algum. Muito pelo contrário, o crime pode levantar a carreira do ator. Exemplo: Cássia Kiss ficou conhecida por ter assassinado a Odete Roitman em "Vale Tudo". Em suma, os autores são muito seletivos ao escolher determinado ator para ser o assassino quando eles trabalham com o "quem matou?".

O que você acha da informação de que no remake de "O Astro" será mudado o assassino de Salomão Hayala?
Acho perfeitamente legitimo e coerente. Uma adaptação tem que se adaptar no veículo e à época de sua exibição. Escolhendo outro assassino deixará a trama mais envolvente e cria junto ao público a indagação de querer saber mais. Se não vai ser o Felipe Cerqueira, quem será? Agora, os autores podem dizer que haverá outro assassino, mas não que dizer que seja escolhido outro assassino. Quem sabe é uma estratégia deles para despistar o público e a imprensa. Essa estratégia foi utilizada pela Janete no decorrer de "O Astro".
No final do ultimo capitulo,a Janete surpreendeu o público dizendo que o assassino era realmente o Felipe Cerqueira. Todos que acompanharam e assistiram a telenovela ficaram surpresos e chocados. A estratégia foi usada para ludibriar o público e a imprensa. Com isso, a narrativa ficou mais envolvente e o mistério foi mantido até o final.

Fonte: Mauricio Stycer, do UOL

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