Esqueça a língua ferina, ou melhor, os dedos vorazes que, vez por outra, lançam alguma polêmica no Twitter ou em seu blog. O Aguinaldo Silva que recebe a equipe do EGO em uma confortável casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro -decorada fartamente com objetos de arte - , é um senhor de voz calma, fala pausada, divertido, e que sabe muito bem seu lugar na história da teledramaturgia brasileira.
“Só escrevo novela das oito. Estreei nesse horário, e é nesse horário que eu quero ficar (risos). Já até me pediram para supervisionar, dar colaboração em outro horário. Agora escrever não”, diz ele que assina algumas das tramas de maior audiência no horário, como “Roque Santeiro” e “Tieta”, e que se prepara para emplacar mais um folhetim, “Fina Estampa”, que estreia em agosto.
Mas Aguinaldo Silva não virou quem é por causa de sua doçura. Provocado, esse pernambucano de 66 anos – que há muito está radicado no Rio de janeiro -, não foge de uma briga.
“Não aguento mais essa coisa de beijo gay! O mais engraçado é que nas novelas argentinas, que é um país muito mais machista que o Brasil, já tem até cena de cama entre dois homens e a audiência vai às alturas. No Brasil não pode nem beijo. E se não pode, não pode. Não vou mais insistir”, diz ele que vai ter um personagem gay em sua nova trama, apóia a união homoafetiva, mas não se casaria jamais. “Não quero isso para mim, não. Estou fora”, diz rindo. Confira mais!
Como está a expectativa para lançar “Fina Estampa”?
A expectativa é a mesma de sempre, como se fosse a primeira novela. Na verdade, é até maior do que na primeira. Na primeira, você é inocente, só depois é que vai ver onde se meteu. Na quinta ou sexta é que você começa a perceber o que significa colocar uma novela no ar, a importância que aquilo tem, e é assustador. Mas a expectativa é muito boa. Vou fazer uma novela altamente popular, como foi “Senhora do Destino”, sem invenções como foi em “Duas Caras”. Ou seja, eu vou fazer um novelão, daqueles que não se vê há algum tempo.
Você pretende manter a pegada popular na novela?
Acho que cada autor tem um nicho que retrata melhor. O Gilberto Braga sempre mostra a classe média, o Manoel Carlos, o Leblon, e eu gosto dessa coisa mais popular. Também adoro um barraco nas minhas novelas. Se deixar, escrevo um barraco por dia(risos).
Uma das marcas que acompanhou “Fina Estampa” até aqui foi a da dificuldade de montar elenco. Como você lidou com isso?
Acho que essa dificuldade se deve ao fato de haver muitas produções no ar: são seriados, minisséries, novelas de outros canais, e ainda tem o cinema, que está roubando muitos atores. Tem ator que não faz mais novela como o Wagner Moura e Selton Mello, que preferem fazer cinema. Tem um pessoal jovem muito bom, uma faixa de idade que você escala com muita facilidade, mas depois tem uma faixa de idade que vai dos 30 aos 45 anos que você não tem opção.
Está faltando uma safra nova de bons atores?
Sim, temos muitos atores, muitos jovens, e que são lançados a cada novela. Eles fazem alguns trabalhos, mas depois somem porque não têm a garra necessária para continuar na carreira. Estamos com falta de bons atores, sim, e uma falha de bons atores na faixa-etária dos 30 aos 45 anos. Os atores não amadurecem. Por exemplo, o Bruno Gagliasso começou fazendo papéis de rapazinho, agora já faz papel de homem, e daqui a pouco vai pegar personagens mais maduros porque ele tem uma carreira. Mas outros que começaram com ele já sumiram.
Aguinaldo Silva tem panelinha?
Não! Tenho alguns atores com quem eu gosto de trabalhar sempre porque são muito bons. Mas são poucos. Até porque você não pode ficar repetindo elenco sempre. É ruim porque passa a impressão para o telespectador de que é a mesma novela.
Você é dono de algumas das maiores audiências no horário das oito. Já te pediram para escrever em outro horário?
Estreei nesse horário, e é nesse horário que eu quero ficar (risos). Já até me pediram para supervisionar, dar colaboração em outro horário. Agora escrever, não. Além disso, a dinâmica da audiência mudou. Antigamente você dava 50 pontos no Ibope, e era sucesso. Agora, provavelmente, vai dar 30, e vai ser considerado sucesso. Vai ser um choque pra mim, mas vai ser sucesso (risos).
Até que ponto a audiência te preocupa, e até que ponto você usa esses números para dar uma espetadela nos colegas pelo Twitter?
Isso na verdade é uma brincadeira. Somos uma confraria muito restrita, a dos autores de novela das oito, e acho que a audiência depende muito da época em que a novela vai ao ar, do momento. Não vou dizer que não gosto de ter audiência, seria uma idiota se dissesse isso, mas não acho que isso seja o fator mais importante para gostar de uma novela. “Vale Tudo”, por exemplo, não teve uma grande audiência, mas, juntamente com “Roque Santeiro”, é uma das novelas mais marcantes de todos os tempos.
Aguinaldo Silva também é mestre em promover suas novelas nas redes sociais. Recentemente, você twittou que teria uma estrela hollywoodiana em “Fina Estampa”. Faz isso de propósito para causar impacto?
Na verdade estávamos conversando com o Rodrigo Santoro. Mas as pessoas me encheram tanta a paciência, que eu disse de brincadeira que era a Meryl Streep. O engraçado é que as pessoas não percebem que é uma ironia, uma brincadeira. Mas tenho, sim, uma capacidade muito grande de comunicação e uso para promover minhas novelas. Ninguém promove minhas novelas melhor do que eu mesmo. Sei como fazer.
Como você vê a questão da união homoafetiva sendo regulamentada no país?
Acho que a coisa mais importante dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, que legislou em cima de um assunto que cabia ao Congresso legislar, é que ela dá cidadania às pessoas. Os gays agora são cidadãos, como preconiza a Constituição. Mas eu, por exemplo, não me casaria nunca. Vejo o casamento dos meus amigos heterossexuais, e penso: não quero isso para mim. Estou fora (risos). Mas foi um passo importante em direção ao progresso. Se bem que o progresso atenta contra as novelas porque é menos uma trama para você desenvolver (risos). Agora não terei mais um casal gay sofrendo porque não pode casar na minha novela, apesar de ainda haver muito preconceito. No Brasil, existe uma coisa muito engraçada: você pode fazer, mas não pode contar. Porque é claro que as pessoas transam.
Você acha que é esse preconceito que cria todo esse burburinho em torno do beijo gay em uma novela?
Nossa! Não aguento mais isso! O mais engraçado é que nas novelas argentinas, que é um país muito mais machista que o Brasil, já tem cena de cama entre dois homens e a audiência vai às alturas. Lá tem uma novela chamada “Las Botineras”, que fala sobre o universo das marias-chuteiras, e que mostra uma cena entre dois jogadores de futebol que sentem uma atração enorme um pelo outro e acabam transando em uma cena bem explícita, filmada em câmera lenta e tudo. Aqui no Brasil não pode nem beijo gay. E se não pode, não pode. Não vou mais insistir. Na minha escala de assuntos urgentes, esse deve ser o 15º assunto. Em “Fina Estampa”, por exemplo, quero discutir o que vale mais: aparência ou caráter? Quero mostrar também as mulheres de 50 anos que têm uma vida sexual ativa, que saem para caçar, que têm amantes, namorados, que pegam garotos mais jovens, mas existe uma convenção sobre elas: elas podem continuar tendo vida sexual, mas estão aposentadas para a procriação. E aí, entra a ciência, em que você não pode gerar um filho, mas pode abrigar um filho, emprestando a barriga, e na novela vai ter uma discussão dessas.
Você vai abordar a homossexualidade de alguma forma em “Fina Estampa”?
Já quis mostrar, mas hoje isso não me interessa mais. Em ‘Fina Estampa’ até terei um personagem gay, mas quero mostrar um outro tipo de gay, aquele que idolatra as mulheres, que as tem como diva. Terei um personagem, que vai ser o secretário da Christiane Torloni, que é o Crodoaldo Valério – ele se chama assim porque o escrivão errou seu nome na hora do registro, e ele morre de vergonha. Ele é completamente devotado à personagem da Christiane, e ela o mantém meio que escravo a partir de uma série de promessas. É um homossexual que é totalmente devotado às mulheres. Os homossexuais adoram as mulheres, ao contrario do héteros (risos).
Já pensou em se aposentar?
Acho que vou trabalhar até morrer porque gosto de trabalhar. Talvez eu pare de escrever novela daqui a um tempo porque é realmente sacrificante. Imagina você, um senhor de 70 e poucos anos, sentado quase 10 horas por dia? Ou então, tendo que escrever em pé? Acho que autor de novela deveria ser igual a cardeal, a partir de uma determinada idade, tem que se aposentar obrigatoriamente. Mas parar de escrever jamais!
Você também montou um restaurante em Portugal. Você cozinha?
Cozinho, e cozinho bem! Mas só gosto de pratos rápidos porque não tenho muito tempo. Todo dia eu preparo meu próprio jantar. Faço um ótimo risoto. Meu restaurante em Portugal já é um sucesso. Ele é um restaurante só de cozinha brasileira, e está fazendo o maior sucesso porque tive a ideia de servir salgadinhos típicos daqui como entrada. Eles adoram. Está indo tão bem que já estou pensando em montar algo temático só disso. Também tenho planos para abrir algo aqui no Brasil, mas sobre isso ainda não posso falar. Segredo (risos)!
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