sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Ariadna e um zepelim chamado BBB11


Com 49% dos votos, o povo decidiu jogar pedra na Geni. Depois de muito apanhar e ser cuspida, o corpo estranho foi escorraçado dos lares moralistas. Assim como na composição de Chico Buarque, Ariadne, a transexual do BBB 11, foi ovacionada pela mídia parasita e abduzida pelo grande zepelim – ou pela “nave louca”, como diria o cronista-apresentador Pedro Bial. Sim, caras pálidas, o Brasil, ao contrário da imagem que vende no exterior, está longe de ser o paraíso da liberdade sexual. Por tolerar o fenômeno do travestismo durante o carnaval, nosso país passa a ideia de que a homossexualidade, o travestismo e a transexualidade são aceitos e disseminados em território nacional. Ledo engano!

Na tentativa de apimentar e polemizar a décima primeira edição do Big Brother Brasil, o diretor Boninho escolheu uma transexual para conviver junto com dezesseis participantes na “casa mais vigiada do país”. A eleita foi Ariadna Thalia, cabeleireira, 26 anos. À primeira vista até parecia uma estratégia nobre: apresentar em rede nacional o dia a dia de uma pessoa altamente marginalizada. O que se viu, no entanto, foi uma abordagem rasa e folhetinesca, focada muito mais no dilema “com quem Ariadna vai ficar” do que na complexidade e na aceitação do indivíduo.

Transexualidade, segundo a Organização Mundial da Saúde, é um tipo de transtorno de identidade de gênero em que o indivíduo nutre o desejo de viver e de ser aceito como sendo do sexo oposto. A explicação estereotipada é de uma “mulher vivendo em um corpo masculino” ou vice-versa, ainda que muitos membros da comunidade transexual rejeitem esta formulação. Por diversas vezes, no BBB 11, Ariadna afirmou ser uma mulher, escondendo a transexualidade dos outros participantes. Entretanto, falar ou ocultar sua condição é um direito pessoal. Ou você sai pelas suas dizendo: “oi, tudo bem? Eu sou heterossexual”?

A transexualidade poderia ter sido explorada de forma madura e expositiva no reality show global. No entanto, ficou apenas na polêmica primária, reforçada pela especulação de quem seria a “primeira vítima do traveco”. Parecia óbvio que a audiência do BBB iria sucumbir a esse truque. A vontade de ver algum trouxa cair na pegadinha pareceu mais forte do que o desejo de ao menos tentar entender a crise existencial de uma transexual.

Ariadna não é um estereótipo, tampouco um “travesti encrenqueiro”. É uma garota quieta, com olhar triste e com uma história de vida bastante dramática. Mesmo ocultando a sua verdade, a moça teve conversas transparentes na casa sobre a sua principal ocupação profissional – a prostituição. A complexidade do tema, contudo, foi minimizada pela edição do BBB, que simplificou a confissão da candidata em uma sentença: “Eu fui garota de programa. Pronto, falei”.

Em um discurso envergonhado, Ariadne, por algumas vezes, confessou detalhes da sua história. “Era estagiária quando conheci uma garota de programa e comecei nessa vida. Meu padrasto me tratava muito mal. Morro de vergonha do meu passado”, disse para Janaína, Paula e Jaqueline. Ainda nessa conversa, desabafou: “Vocês não sabem como é quando alguém pergunta qual é a sua profissão. Você fica uns três segundos em silêncio e sente aquela tristeza por dentro”.

Assunto, este BBB tem. O problema é que grande parte do público assiste apenas ao que é apresentado pela TV aberta em  uma versão enviesada e minimalista. Por que diabos a Globo suprimiu esses importantes diálogos da edição? Querem colocar o dedo na ferida e não sentir dor? Temem por polemizar ainda mais o conteúdo do programa? Quem acompanha o BBB pela Rede Globo só viu a ponta do iceberg. Na madrugada de sábado (8), o engenheiro Cristiano, líder da semana, em conversa com Rodrigão, disse: “se eu passasse a noite com Ariadna teria que jogar um vidro de perfume nas minhas partes íntimas”. A frase, todavia, também não foi ao ar.

O autor de novelas Aguinaldo Silva endossa o time dos que defendem os direitos de Ariadna. No Twitter, criticou duramente a postura de um dos participantes. “Cristiano, líder do BBB, disse que beijar Ariadna seria nojento. E com essa declaração tornou-se a pessoa mais nojenta da semana” - escreveu.

A polêmica televisiva em torno da sexualidade, contudo, não é novidade no Brasil. Em 2004, Bianca Soares estrelou a quarta edição da Casa dos Artistas, no SBT. Após ter sido eliminada na primeira semana do programa, foi revelado que a participante era travesti, o que acabou atraindo bastante atenção para o reality show. O destaque foi tão grande que Silvio Santos a convidou para voltar à atração e contar a sua verdade.

Em ambos os programas, BBB e Casa dos Artistas, não houve reações discriminatórias severas, talvez pela consciência de que todos estavam sendo filmados e julgados. Fora da “casa”, no entanto, esses personagens continuam expostos à discriminação, chacota e humilhação alimentadas pela ignorância e pela intolerância. Quer uma prova? Digite em um buscador o nome de “Ariadna” e tire suas conclusões.

Além do preconceito velado, existem outras hipóteses para tentar explicar a sumária eliminação de Ariadna. Uma delas é a desconstrução do perfil de “heroína popular”, da garota pobre que venceu na vida e caminha para um final feliz. Em vez de posar de vítima, a moça assumiu ter ganhado dinheiro com a prostituição, o que definitivamente gerou antipatia da audiência mais conservadora.

É possível que Ariadna tenha sido gongada por não cair no clichê. Talvez por ser complexa demais para telespectadores, que preferem ver bundas, músculos e intrigas corriqueiras em vez de uma crise existencial. O fato é que a grande massa não quer saber dos problemas de Ariadna. Ela que se revolva sozinha e, preferencialmente, bem longe da sociedade “limpa” que, no momento, está mais interessada no realismo utópico e bem resolvido da novela das nove.


Fonte: João Claudio Lins

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