Por que a ideia de criar a Master Class?
Sempre trabalhei com colaboradores, aliás, com equipes. Acho a palavra colaborador meio pejorativa. Acho que é muito mais prazeiroso trabalhar com pessoas que te ouvem e que trocam informações com você. Eu tinha um grupo que trabalhava comigo já há um tempo e achava que estávamos num ritmo de trabalho burocrático, que não me agradava. Achei que podiam aparecer novas pessoas, com alguma novidade. Por isso eu fiz a Master Class. Foram 1153 candidatos, foi uma loucura fazer a seleção, tive que pedir ajuda a alguns amigos meus, selecionei 30 pessoas e fiz duas turmas de 15 e 15. A ideia era realmente mostrar para essas pessoas como é o trabalho em uma novela, como se faz uma novela, mostrar fazendo. Eu acho que tem que aparecer gente nova, sim, concordo, mas sei que é difícil. Das pessoas que trabalharam comigo e várias estão hoje contratadas pela Globo, eu não vejo nenhuma, nesse momento, que esteja apta a escreve uma novela. Dos colaboradores mais antigos, vejo alguns que têm condições. Uma é a Maria Elisa Berredo, que quer escrever novelas.
Ela pensa em escrever novela das 21h, como você?
Ninguém começa no horário das oito, só eu (risos). Mas eu fui diferente, antes eu tinha feito minisséries, seriados, já era conhecido. Eu não estreei no horário das 21h. As pessoas começam no horário das seis, muita gente se formou em Malhação e, finalmente, elas vão galgando espaço. Agora, o horário das 21h é muito difícil, porque você tem que escrever para 40 milhões de pessoas, é preciso ser um autor muito seguro.
O mercado está carente de novos roteiristas?
O mercado está sempre carente de novos roteiristas. Agora, você te que saber que o mercado é também limitado. A TV Globo deve ter uns cento e tantos roteiristas contratados para diversos programas, como os de humor... Até os quadros em programas de esportes precisam de roteiristas. Agora, novela é diferente e novela das 21h é mais diferente ainda. É preciso ralar muito, aprender muito, ter uma experiência enorme. E essa experiência você vai adquirir escrevendo, eventualmente uma novela das seis, uma das sete, Malhação. Você veja o João Emanuel Carneiro. Ele escreveu duas novelas das sete antes de estrear no horário das 21h. A novela é um produto caro demais para se permitir experiência.
Qual a sua rotina no trabalho com a equipe?
Vou resumir. Faço a escaleta de cada capítulo. Quem faz a escaleta é quem conduz a história, ou seja, o autor. Minhas escaletas em média, têm de 13 a 18 páginas, e elas têm já indicações de diálogos. Os colaboradores escrevem os diálogos e não podem mudar nada do que está indicado ali, a escaleta é sagrada. Os colaboradores escrevem as cenas e devolvem para a Maria Elisa Berredo, que reúne as cenas, forma o capítulo e faz uma primeira revisão. Ela é livre para o que ela acha que tem que reescrever. Ela passa para mim e eu faço a segunda revisão. O que eu colaborador escreve é reescrito duas vezes. Esse trabalho, para o colaborador, é um aprendizado. Quando ele vem trabalhar comigo, tem que deixar o ego do lado de fora da minha porta. Ele tem que encarar isso como um aprendizado, é assim que ele vai aprender. Depois, faço reuniões quinzenais de criação e eles participam. Nas reuniões, digo o que vamos fazer nos próximos 15 capítulos.
Uma novela tem 200 capítulos. Na sinopse original, você já tem ideia de aonde quer chegar com a história?
A sinopse nunca vai além do capítulo 80. Depois disso, faço uma segunda sinopse.
Acontecem crises criativas no meio do caminho?
Aguinaldo – Autor de novela não pode se dar ao luxo de ter crise criativa. Você tem que escrever seis capítulos por semana porque seis capítulos estão sendo produzidos e seis irão ao ar. Isso é outra coisa que faz com que os autores de novela sejam tão poucos. Muito autor talentosíssimo de teatro e da literatura acorda de manhã e diz: “Hoje não estou inspirado!”. Na novela não pode, você tem que se virar.
De qualquer forma, o final da história já está definido...
A gente sabe o final, claro, mas não dá para ficar detalhando demais na sinopse até por uma questão de espaço. Minhas sinopses em geral têm m 80 páginas. Em Lara com z por exemplo, fiz uma sinopse de 183 páginas, mas isso é inviável para os executivos lerem, eles não têm tempo. Por isso, normalmente, detalho até metade da história, depois indico os rumos em linhas gerais. O que a gente não pode esquecer é que novela é uma obra aberta.
Já aconteceu de uma novela não ir tão bem e você ter que mudar os roteiros, acelerar a história?
Eu não seguro história. Não tenho esse problema. Em Fina estampa, já no primeiro episódio, a Griselda (Lília Cabral) descobre que o filho tem vergonha dela, já entrego o jogo e digo: “A história é essa. Uma mãe rejeitada pelo filho, sendo que ela é melhor do que ele”. A partir daí, a história segue em frente. Isso é uma das coisas que Janete Clair dizia, história você não pode segurar.
A Janete Clair escrevia sozinha suas novelas...
Todos os autores antigos escreviam sozinhos. É um trabalho insano e inútil. Você não ganha nada com isso, pelo contrário. Acho importante você ter um grupo que ouve você e que quer dar ideias... Sou altamente democrático, esse diálogo torna o autor mais atento ao que está fazendo. Quando você trabalha sozinho, o que sair, saiu. O pessoal que veio do rádio estava mais acostumado com essa rotina de escrever sozinho Eles tinham uma rara capacidade, escreveram grandes novelas. Eu me sinto muito confortável em trabalhar com colaboradores, porque sinto que, de certa forma, estou passando o que eu aprendi a duras penas. Isso não vai acabar comigo, quando eu morrer, alguém aprendeu, alguém vai ocupar o meu lugar. Agora, de novo: vejo de cara quando um colaborador vai ou não chegar lá.
Por quê? O que um colaborador precisa para se tornar um autor?
É preciso ter espírito de coordenação e liderança. Uma novela não é só escrever os roteiros, é como se fosse um jumbo no ar, você tem que pilotar aquele avião durante oito meses. Algumas pessoas você vê que não têm jeito para isso. Tenho um colaborador, o Nelson Nadotti, que é um colaborador fantástico, mas não tem a menor vontade de ser novelista.
Qual a sua avaliação das novelas atuais? Você assiste?
Claro que assisto! Acho que as novelas evoluíram e estão mais modernas. Você assiste a uma novela da Janete Clair, não O astro, que agora está sendo reescrita, mas as antigas, e percebe que elas eram de uma lentidão absurda. A própria Roque santeiro, que eu escrevi e que já tinha um roteiro ágil, comparada aos dias de hoje, é mais lenta. Escrevia cenas de cinco páginas entre a Viúva Porcina e o Sinhozinho Malta. Hoje nenhuma pode ter mais de duas páginas. Agora, as novelas continuam fazendo parte da vida do brasileiro e continua sendo algo muito importante.
Desde a década de 80, são os mesmos poucos autores que escrevem para o horário das 21h. Existe um desgaste?
Acho que não, porque, veja bem: quando acaba uma novela, por contrato, o autor fica 18 meses de férias, mas ele nunca entra antes disso. O autor fica pelo menos dois anos sem trabalhar. Como somos trabalhadores compulsivos – o próprio gênero nos exige isso -, depois de seis meses de férias, começamos a trabalhar. E a crise criativa que você citou, a prova de que ela não existe é que a mídia nunca falou tanto na novela como agora. Uma boa parte da mídia só sobrevive em função do nosso trabalho. Se a novela acabar, umas 15 revistas no Brasil acabam na hora. A novela continua muito criativa e interessante. Escrever novela é algo terrivelmente cansativo. Sempre digo que o dia do novelista deveria ter 36 horas. Como não tem, o novelista está sempre atrasado. Isso é uma coisa profundamente estressante. Você corre, corre e nunca consegue colocar seu trabalho em dia. É evidente que, se houvesse mais autores, seria ótimo, é o que todos queremos. Aí, você pode achar: “Mas, se querem, por que não tem?”. Porque não aparecem! Não existe um clube fechado que impede a ascensão de novos autores. Por exemplo: nós achávamos, estávamos torcendo que o Walcyr Carrasco ia se tornar um autor de novela das 21h, isso seria fantástico, seria mais um. Mas acho que o Walcyr, com essa novela [Morde & assopra], comprovou que o barato dele é a novela das sete, as novelas dele sempre têm aquela coisa mais ingênua, mais leve. É uma pena, nós precisamos de autores novos. Se você me perguntar quem vai ser o próximo autor das 21h, eu confesso que não sei. Acho que a Maria Elisa tem condições, mas deve ser testada em outro horário.
Por outro lado não existe uma falta de espaço para jovens autores?
Não. A quantidade de jovens autores que a Globo emprega é imensa, tem muita gente trabalhando. Tem uma coisa que talvez você não saiba. Tem muita gente que escreve seriado e que não quer escrever novela. Tem muito roteirista que não quer. Tem colaborador que não quer também, prefere seriado. Pergunte à Fernanda Young se ela quer escrever novela... Ela não quer, quer escrever os seriados, o que ela faz muito bem.
No caso da Master Class, foram muitos inscritos...
Aguinaldo – Mas, desse pessoal, consegui selecionar 30 pessoas. Eu recebo, no meu portal na internet, mensagens de gente de 15 anos dizendo que quer escrever novela e que não têm a menor condição. A novela exige uma experiência de vida. É difícil uma pessoa de menos de 40 anos ter experiência de vida suficiente para escrever novelas. Geralmente são pessoas criadas em condomínio, não passou por uma experiência traumatizante porque foi sempre protegida pelos pais, estudou nos melhores colégios, elas podem até escrever novelas, mas serão colagens de novelas que eles viram. Fui jornalista por 18 anos, morei na Lapa, fui preso na Ilha das Flores. Por conta dessas experiências eu sou uma pessoa muito informada. Leio, por dia, três jornais diferentes, leio todas as revistas semanais, sou um leitor compulsivo. Geralmente quando escrevo uma novela, praticamente não preciso de pesquisa. Quando você é uma pessoa totalmente inexperiente, não pode escrever novela.
ÉPOCA – Quantas pessoas te procuram querendo mandar sinopses e ideias?
Eu não recebo sinopses. No meu contrato, existe uma cláusula que me proíbe disso. As pessoas me mandam sinopses e fazem uma coisa bem mal intencionada: elas mandam por sedex, para minha casa e para a Globo, e esse sedex tem um recibo. Se você recebe, mesmo que não abra e não leia o que tinha dentro do envelope, fica com um comprovante dos correios que serve como prova de que você recebeu a correspondência. Quando alguém que trabalha aqui em casa, por engano, recebe, encaminho o envelope direto para o departamento jurídico da Globo. Fica arquivado. Todo novelista é acusado de plágio, às vezes por duas ou três pessoas. O único novelista acusado é o da Globo, porque o dinheiro é muito maior! (risos).
Existe algum curso de roteiro que você considere bom?
Eu confesso que não sei, mas me disseram que na USP tem um muito bom. Agora, cursos livres... Existe algum bom? Eu acho que não. Existem cursos improvisados e maioria são caça-níqueis. A Master Class foi de graça, por minha conta. Estou promovendo outro concurso de roteiros para cinema no meu portal. Vou dar de prêmio R$ 100 mil. Mas vou dar do meu bolso, não tem patrocínio, captação, MEC, lei Rouanet, nada. É o dinheiro que eu ganho e acho que devo repartir de alguma maneira com as pessoas talentosas.
Qual seria o caminho para quem quer escrever novela?
Um caminho são as Oficinas das emissoras. Caso entre e seja contratado, tentar estabelecer um contato com cós colaboradores e autores, mostrar roteiros e trabalhos. O autor pode ver e gostar. Na minha segunda Master Class tinha um aluno, o Daniel, que está escrevendo novela com o Walcyr Carrasco. Ele se destacou tanto que o Walcyr ficou sabendo dele, não sei como. Walcyr me perguntou se eu avaliava bem o Daniel e começou. Esse é o caminho. Você tem que entrar na emissora de sua escolha e depois tem que orientar seu caminho para chegar aonde você quer e aprender, aprender e aprender.
O que um bom colaborador tem?
O bom colaborador é aquele que obedece cegamente a escaleta e não concorre com os demais. Ele escreve a novela pelo grupo e não para ele. Meus colaboradores têm que estar conscientes que a única coisa que importa ali é a novela. Eles podem criar mas não podem sair do que está estabelecido. Fora isso, quanto mais criativo ele for, melhor. Às vezes crio uma cena que o colaborador escreve e fica melhor do que eu tinha pensado na escaleta. Quando ele faz isso, desde que não saia do objetivo da cena, imediatamente compro a ideia. O bom colaborador é criativo sem inventar.
Fonte Época
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