Carminha faz o que ele quer. A vingança de
Nina foi ele quem criou. E Suelen vai correr atrás de quem ele decidir. João
Emanuel Carneiro é o autor por trás das mulheres fortes, impositivas e de
caráter dúbio da trama que está mantendo 40 milhões de espectadores grudados na
novela das 9 da Globo. O sucesso de Avenida Brasil é o tema da reportagem de
capa de ÉPOCA que chegou às bancas no sábado passado.
João Emanuel, que dá raras entrevistas,
conversou com ÉPOCA nesta semana. “Não me sinto célebre”, diz. O autor afirma
que busca preservar a vida pessoal. No trabalho, não interfere nas gravações.
“Tenho admiração pelo talento das pessoas, mas não tenho que estabelecer essa
relação. Não sou de turminhas, sobretudo de atores.” Confira a entrevista:
O que
Avenida Brasil tem de tão diferente?
Ela vai completamente contra a cartilha que
será cada vez mais aplicada nas novelas. As novelas precisam cada vez mais de
audiência, que hoje precisa ser conquistada na unha. A tendência é você fazer
tramas cada vez mais ao gosto do freguês. Vai pesquisar a vida da dona de casa
e fazer uma coisa mais tatibitati, com a heroína mais simplória possível para
chegar a esse público de mulheres. O que eu vejo no futuro da televisão são
pesquisas voltadas ao público consumidor e tramas do tipo Maria do Bairro. As
novelas venezuelanas, mexicanas e colombianas não têm muita trama, você não
pode fazer nada que faça refletir o caráter e as motivações dos personagens. Se
eu tiver que fazer isso, prefiro fazer outra coisa.
Mas
hoje não se tem de adaptar a novela às mudanças de perfil do público?
A novela tem que ter uma coisa que me
instigue a contar aquela história senão acho uma chatice. É muito perigosa essa
tendência de você fazer uma coisa de que você não goste para agradar um público
que você não conhece. Então as novelas vão cair nesse paradoxo, nessa
encruzilhada. Que freguês é esse?
Você se
ressente quando dizem que fez uma novela para a classe C?
O bom dessa novela, que é característica das
novelas brasileira, é que ela é para todas as classes, mesmo que se retrate a
classe C. Isso diferencia o Brasil dos demais países latino-americanos. Lá
novela é subproduto feito para miseráveis.
Existe
uma preocupação em inovar sempre?
Eu acho que não inovei tanto, porque busquei
a raiz do folhetim. Minhas novelas são muito folhetinescas. Pesquisei muito
Eugène Sue (escritor francês do século 19), que, com suas novelas, passou a
vender mais jornais na época. Começou com Les Mystèrs de Paris, que era sobre o
universo dos ricos. Depois da Comuna de Paris, ele resolveu escrever sobre
pobres, se tornou um fracasso e foi mandado embora. Eu acho que hoje, de alguma
maneira, a elite deixou de ser uma coisa aspiracional para quem assiste a TV. É
um fenômeno da era Lula. Nos anos 70 e 80, a gente queria ver a ilha do Miguel
Fragonard e a Tônica Carrero reproduzindo uma socialite em Água viva. Hoje
ninguém mais tem interesse pela vida dessas pessoas. É uma característica do
novo século. As pessoas querem se projetar numa coisa mais possível. É mais
fácil você ganhar dinheiro e ficar como o Tufão, mantendo a sua identidade.
Como
lida com a pressão do público e da crítica?
Na novela das oito, o autor é personagem e é
julgado como técnico de futebol. Saí de casa agora e me disseram: ‘Olha o que
você vai fazer com a Nina. Não vá nos decepcionar’. Críticas eu não leio, só no
final da novela.
Às
vezes o público parece torcer mais pela vilã do que pela mocinha. Isso o choca?
Essa é a brincadeira da novela. A Carminha dá
vazão ao que muita gente às vezes pensa, mas não tem coragem de dizer. A gente
vive no apogeu da caretice. É um mundo censurado, cerceado e todo mundo tem que
ser politicamente incorreto. Antes as pessoas diziam na cara o que pensavam. É
o fascínio que a bruxa exerce. É o nosso lado negro que a gente tem que
dominar. Maria Clara Machado dizia que a bruxa era essencial à criança. Para
elaborar a psiquê, você tem que ter os seus fantasmas, seus monstros. Os livros
infantis depois da Maria Clara ficaram muito tatibitati.
Por que
as mulheres são a tônica das suas novelas das nove?
Porque essas histórias de mulheres chegaram
para mim. Uma história se impõe para o autor. Eu não pretendo fazer só
histórias de mulheres no futuro, mas eu acho a mulher fascinante porque ela é
muito mais exposta que o homem. Mesmo na rua; mulher na rua é muito mais
visível que o homem. A maneira como ela se veste, como ela exterioriza sua
sexualidade, mais generosa em sentimentos, tanto os bons como os ruins. O homem
passa um pouco em branco e acho isso bom também. Ele não é sublinhado como uma
mulher. Quando ele tem um surto, ele sabe mais se controlar.
E por
que só vilãs louras?
Coincidência. Não tenho fetiche por louras.
Não sou Hitchcock.
Mas tem
o fetiche de quê?
De contar uma história que me crie problemas
a cada capítulo. Se eu não criar um um desafio, não vou estar contente. Meu
fetiche acho que é um vaudeville de humor e fazer histórias que causem tensão e
aflição.
Você
teve uma trombose quando escreveu A favorita. Como lida com a rotina de
novelista?
Tive trombose porque não me levantava, ficava
sentado escrevendo sem parar. Nessa novela não, tenho nadado todos os dias
quando acordo. E malho todas as terças e quintas. A exigência física de uma
novela é absurda. Eu não quero estar com 60 anos fazendo isso. Não é uma coisa
saudável, é um trabalho pesado demais, uma responsabilidade pesada demais, o olho
de um país todo em cima de você.
Você é
um autor que dá pitaco na atuação, que liga para o elenco?
Não falo com o elenco, só com a direção. Se
você abre um canal, é muita gente ligando. Acho que eu não tenho um fascínio
muito grande com esse mundo artístico-futebolístico, com esse mundo mediático
de celebridades. Eu não levo isso para a minha intimidade, eu não tenho esse
canal. Tenho admiração pelo talento das pessoas, mas não tenho que estabelecer
essa relação. Não sou de turminhas, sobretudo de atores. Minhas novelas mudam
totalmente de elenco. De vez em quando, há repetição, mas é raro. Não conhecia
a Débora Falabella e a Adriana Esteves pessoalmente, só pelo trabalho.
A
novela é um sucesso nas redes sociais. Por que não abriu um perfil?
Não abri, mas esse assunto está me
interessando agora, porque muito do sucesso vem dos comentários das redes
sociais Mas agora estou na maré brava de fazer a meiota da novela, então é
impossível.
Por que
é tão avesso a entrevistas?
Não me sinto célebre. Minha vida pessoal não
diz respeito às outras pessoas e não acompanho a vida pessoal dos outros. Não
tenho o menor interesse em revista de famosos. Se você faz campanha de
amaciante com a mulher e depois reclama que teve a vida invadida, tem aguma
coisa errada. Mas se a pessoa não fala da vida pessoal, tem que respeitar. É
uma questão de coerência.
Por que
suas novelas não fazem marketing social?
Acho muito chato. Mas eu tenho que achar uma
fórmula que não seja tão exposta, de atrair o marketing social sem prejudicar a
trama. Vou acabar fazendo.
Sua mãe
(Lélia Coelho Frota, antropóloga, poetisa e crítica de arte) foi uma grande
intelectual e você sempre conviveu no meio dela, de seus amigos. Nunca teve
preconceito com fazer TV?
Para um escritor de audiovisual a TV é o
lugar certo. A Globo investiu no contador de histórias, enquanto o cinema ficou
naquela coisa de uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Não vejo novela como
produto menor. Vim de uma elite intelectual, mas acho que, cada vez mais neste
século, as coisas que estão restritas a uma elite vêm perdendo esse lugar de
flor de estufa. A cultura está se diluindo, tanto que não há mais uma elite
intelectual. Danuza Leão está certa em dizer que não há quem entrevistar. Cadê
o Nelson Rodrigues e o Carlos Drummond de Andrade de hoje?
Sua mãe
chegou a assistir a uma novela sua?
Ela gostou de A favorita. Ela nunca via
televisão, não sabia quem era a Gloria Menezes. Mas acabou gostando. Como era
muito católica, queria sempre que eu fizesse o bem das pessoas. Dizia que eu
deveria fazer uma novela contando a história dos santos.
Fonte: Revista Época
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