Só neste ano, três tramas assinadas por
estreantes ganham espaço na emissora, na maior abertura para autores novatos
feita pelo canal desde o início dos anos 2000, quando novos nomes passaram a
assinar folhetins em intervalos de ao menos dois anos.
“Sem novela, a TV é economicamente inviável.”
A frase, dita por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, em 1985, quando
ainda era o todo-poderoso da Globo, dá a dimensão da importância dos folhetins
para a maior emissora do país. Uma importância que não mudou com o tempo.
Principal produto global, a telenovela ainda é garantia de publicidade e de
público: em abril, a nova trama das nove, Avenida Brasil, foi o programa mais
visto da emissora, com média de 36,8 pontos no Ibope na Grande São Paulo. Para
manter a sua grade combativa em tempos de concorrência acirrada com a Rede
Record, a Globo investe cada vez mais. Criou uma quarta faixa de folhetins às
23 horas com O Astro, em 2011. E agora abre um espaço inédito para autores que
renovem a linguagem e falem a um novo público.
Só em 2012, três novelas da emissora levam a
assinatura de estreantes: A Vida da Gente, de Lícia Manzo, Cheias de Charme, de
Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, e Lado a Lado, a próxima das seis, que será
escrita por João Ximenes Braga com colaboração de Cláudia Lage. No ano que vem,
outro novato, o colaborador de Manoel Carlos Fausto Galvão, vai ocupar a faixa
das seis. E ainda vem novidade lusitana por aí: esta semana, no Twitter, o
veterano Aguinaldo Silva anunciou que o português Rui Vilhena vai estrear em
breve uma novela na Globo.
A enxurrada de nomes novos é algo raro para
uma emissora que nos últimos 47 anos, desde a estreia de seu primeiro folhetim,
Ilusões Perdidas (1965), se baseia numa espécie de panteão de novelistas. Não
que a Globo não investisse em renovação, mas ela nunca o fez como agora. A
emissora criou uma Oficina de Autores em 1990, com vistas a reciclar a equipe,
mas foi apenas a partir dos anos 2000 que a engrenagem operada por dramaturgos
como Cassiano Gabus Mendes, Walter Negrão, Janete Clair, Silvio de Abreu,
Glória Perez, Gilberto Braga e Ivani Ribeiro começou a receber combustível
novo. A emissora começou arriscando um estreante a cada dois anos, intervalo
que recentemente caiu para um ano.
“Escrever novela é difícil, é preciso haver
uma renovação ou os mais antigos se cansam e podem acabar se repetindo”, diz o
novelista Gilberto Braga, que vai supervisionar o trabalho de João Ximenes
Braga e Cláudia Lage na novela Lado a Lado, prevista para ocupar o horário das
seis no segundo semestre. O próprio Braga, aliás, vem repetindo a si mesmo.
Insensato Coração, sua última trama, estava carregada de referências a Vale
Tudo, talvez sua obra-prima.
Vassoura nova – Mais do que aliviar a carga
dos autores consolidados, os novatos ajudam a modernizar a narrativa das
novelas. “Todas as histórias já foram contadas, o que muda é a forma de
contá-las, por isso abrir o leque e permitir a entrada de novos nomes é algo
primordial para a continuação do trabalho”, diz o novelista Ricardo Linhares. O
coautor de Insensato Coração e Paraíso Tropical conta que foi escolhido por
Filipe Miguez e Izabel de Oliveira para supervisioná-los em Cheias de Charme. A
prática tem se tornado cada vez mais comum e é uma maneira de os autores da
velha guarda passarem, aos poucos, o bastão à nova geração. “Eles trazem mais
vivacidade às tramas, escrevem cenas curtas e ágeis”, diz Linhares.
A influência do cinema também é uma marca
registrada de integrantes da nova geração, como João Emanuel Carneiro, autor de
Avenida Brasil, sua quarta trama como autor titular. “Além de ter ritmo
narrativo acelerado, as novelas de João Emanuel são exemplos claros da riqueza
com que os personagens são criados. O maniqueísmo não é tão marcado, essa
fórmula de bom versus mal está desgastada e os novos autores dão saídas mais
interessantes para isso”, diz o roteirista de TV Flavio de Campos, que
coordenou por 22 anos a Oficina de Autores da Globo.
Tutela criativa – Em comum, a maioria dos
autores estreantes tem no currículo a colaboração com um novelista renomado, do
qual carregam o legado. O carioca Filipe Miguez colaborou em quatro novelas de
Aguinaldo Silva – Duas Caras (2007), Senhora do Destino (2005), Porto dos
Milagres (2001) e Suave Veneno (1999) – e não nega que a experiência moldou seu
estilo. “Ter trabalhado com o Aguinaldo Silva me influenciou de diversas
maneiras. Acho que não tem autor de novela que não goste de um personagem
feminino forte, já que as tramas geralmente giram em torno de heroínas e
vilãs”, diz Miguez.
A tática de se espelhar em um autor mais
experiente é antiga. A diferença é que, hoje, a emissora oficializou a tutela
dos autores experientes ao promovê-los a supervisores dos novatos, como ocorreu
com Ricardo Linhares. “Na geração anterior à minha, autores como Ivani Ribeiro,
Janete Clair e Dias Gomes não trabalhavam com equipe de apoio, porque as
novelas eram mais curtas. Com o aumento do tempo dos capítulos e a sofisticação
exigida pelas histórias, já não é mais possível se fazer uma novela sem
pesquisadores e colaboradores, que acabam aprendendo na prática como se faz uma
novela”, diz Silvio de Abreu, de Passione (2010), um dos supervisores,
levantando outra questão que impulsiona a procura por talentos.
Se por um lado atende a uma necessidade de
reciclagem de temas e abordagem e de reposição de autores que estão
envelhecendo, por outro a abertura para estreantes supre uma demanda de
produção gerada pelo novo formato das novelas. Hoje, os capítulos dos folhetins
são maiores: nos anos 1990 e primeira década de 2000, a novela das oito ficava
50 minutos no ar, hoje fica 1h10. E as tramas das seis e das sete estão mais
curtas, o que implica um número maior de enredos por ano. “A menor duração das
novelas se somou à aposta em sitcoms, minisséries e na nova faixa das 23 horas
e levou a Globo a acelerar o lançamento de autores nos últimos dois anos”, diz
Maria Immacolata Lopes, coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da Universidade
de São Paulo (USP).
O investimento todo está valendo a pena. Em
2011, a Globo teve um faturamento recorde de 11 bilhões de reais, 70% deles
advindos de comerciais, e boa parte desses anúncios nos intervalos dos
folhetins. Boni tem razão: sem novela, a TV é realmente inviável.
Fonte: Revista Veja
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