Algumas vezes a trajetória de um personagem
de novela fica à mercê da resposta do público. Não é à toa que José de Abreu se
preocupou com a maneira que os telespectadores poderiam receber Nilo, seu papel
em "Avenida Brasil". O misterioso catador de lixo da história, além
de ter uma aparência quase assustadora, explora crianças, obrigando-as a
trabalhar em troca de teto e comida. "A gente estava com medo de ele ser
muito recusado pelo público, ainda mais fazendo maldade com criança",
admite. "Nós tínhamos um medo, lá atrás, de ele ser considerado um
pedófilo. E, graças a Deus, não passou essa imagem, ninguém nunca levantou
isso. Poderia ser fatal", acrescenta.
Para José de Abreu, o que ameniza esse lado
mau caráter é a ironia do personagem. E essa característica também funciona
como uma pista sobre o passado de Nilo, ainda desconhecido até do seu
intérprete. "A impressão que dá é de que Nilo foi um cara inteligente
porque é muito esperto e tem uma ironia. Ele brinca com a ironia, tira sarro de
todo mundo", analisa o ator, que tem se surpreendido com a figura que seu
papel representa para muitas pessoas. Volta e meia, recebe mensagens via
Twitter de gente que associa Nilo ao homem do saco – figura lendária que
carrega crianças em um saco.
"Nem sabia que existia isso. Na minha
geração era o bicho papão", compara, aos risos. "Um dia desses, duas
pessoas falaram que sonharam com o Nilo. Uma delas disse que ele estava
ensinando a separar o lixo reciclável. A outra disse que acordou assustada. As
pessoas têm medo dele", conclui.
O Nilo
tem uma aparência forte e é uma figura misteriosa dentro da trama. Que
referências buscou para traçar o perfil deste catador de lixo?
Fiz uma alusão ao Charles Dickens. Ele tem um
romance sobre um velho judeu chamado Fagin, que explora crianças e tem uma
relação maluca com elas, como o Nilo tem. Eu dei uma lida no Dickens. Tem
também uma história em quadrinhos ("Fagin, O Judeu", de Paulo
Nogueira) que dá a visão do velho, do bruxo, do Fagin, do Nilo. É muito legal
porque meio que explica porque o Nilo virou isso que é. Ninguém vai para um
lugar desses porque quer, assim, nessa miséria total, onde a única preocupação
é o próximo prato de comida. Por isso, o Nilo come tanto. Isso é real na vida
dessas pessoas. Eles não têm desejo nenhum, não importa a roupa, não importa
onde vão dormir. No caso do Nilo, ele tem um lugar para dormir. Ele tem essa
preocupação com a comida, é muito ligado nisso, cada vez mais. Ele usa o
dinheiro que ganha para isso.
Chegou
a conhecer algum catador de lixo para se familiarizar com a realidade do
personagem?
Eu conheci um tempo atrás, agora não
precisei. Tenho um amigo no interior de São Paulo, dono de uma empresa que
recolhe lixo na cidade de Paulínia. Ele tem um centro de recolhimento de lixo.
Eu fui uma vez em um depósito desses, que nem Jardim Gramacho, como seria o da
novela, que é impossível de respirar, tem um cheiro insuportável. Dói o nariz,
dói a garganta. Depois, fui em outro do meu amigo. Esse é novo, não é nem
aterro sanitário, é um negócio absurdo. Ele fez uma cooperativa de catadores
que tem uma esteira coberta, em um galpão. Lá, com uniforme, luva, bota,
máscara, eles já separam o que é reciclável ali mesmo. Por causa desse meu
amigo, desse centro de reciclagem que ele tem, conheci uns engenheiros
italianos que vieram aqui e acabei passando 15 dias com eles na Itália. Fui
conhecer na Itália o aproveitamento depois da reciclagem, que é fazer energia
elétrica do lixo. Isso há três anos. Sou um especialista nessa história. Manjo
muito de lixo, do aproveitamento dele.
Teve
alguma cena do Nilo mais marcante para você?
Para mim, em termos de ser ruim de fazer, foi
uma cena que eu bati no menino, o João, que fez comigo "O Menino da
Porteira". Tive de dar uns tapas nele. Depois resolveram cortar a cena
porque não precisava. Dei uma sacudida nele que foi tão forte e ele fez uma
carinha tão boa de medo, que ficava demais. E eu também fiz a cena com medo
porque não precisava. Com uma bronca, dependendo do ator, se ele faz uma cara
de que está sofrendo muito, você não precisa ir além.
Fonte: UOL
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