Imagine uma novela cuja ação se passa em
apenas três tempos: durante uma festa (a maior parte), o dia seguinte à festa,
e cenas de flashback, apresentando os personagens e os dramas que eles levaram
para a festa. Agora pegue esses três tempos e tire a linearidade da ação, ou
seja, embaralhe a sequência de cenas.
Vamos confundir um pouco mais: nesta festa
aconteceu um crime – um corpo foi encontrado boiando na piscina da casa. Quem
matou a vítima? Na manhã seguinte à festa começam, portanto, as investigações
sobre o assassinato. Uma trama policial fica ainda mais difícil de entender se
a narrativa não tem linearidade. Inclusive porque, na história – além do
mistério “quem matou?” -, também não fica claro para o público quem é a vítima.
Portanto, são três questões: de quem é o corpo que está boiando na piscina,
quem o matou e por que matou? Moradores da casa, convidados da festa,
empregados?
Este é o quebra-cabeça que o público teve que
montar durante a novela “O Rebu”, de Bráulio Pedroso (1931-1990), exibida pela
Globo em 1974 – escolhida para ser o próximo remake a estrear, às 23 horas, no
ano que vem. Revolucionária em sua narrativa – pela primeira vez uma telenovela
perdia sua linearidade temporal – “O Rebu” foi mais uma tentativa de subverter
o gênero. Bráulio Pedroso (de “Beto Rockfeller”) não havia tido uma boa
experiência com sua novela anterior na Globo, “O Bofe” (1972), uma trama
absolutamente debochada. Com “O Rebu”, o autor usou de metalinguagem para
apresentar uma história policial então inédita em nossa Teledramaturgia.
Comentou Bráulio sobre sua obra: “… um rompimento com a linearidade temporal,
uma tentativa de aproximação com a metalinguagem. A proposta me satisfazia
porque era a de mostrar, através de um veículo que leva meses para dizer alguma
coisa, uma história que se passava num dia só. Por outro lado, em termos de
continuidade, tinha a inovação de ser contada em vários tempos narrativos.''
(“Bráulio Pedroso, Audácia Inovadora“, Renato Sérgio, Imprensa Oficial do
Estado de SP, 2011)
O anfitrião da festa era o banqueiro Conrad
Mahler (última atuação de Ziembinski na TV) que ofereceu a recepção a uma
princesa italiana em visita ao Brasil. Os convidados eram homens ricos e
influentes, e suas respectivas esposas. Cada qual levou à festa seus problemas
e pequenos dramas, o que só fazia aumentar a lista de suspeitos pelo crime. O
próprio anfitrião Mahler tinha um drama: sua conturbada relação com o garotão
Cauê (Buza Ferraz), que vivia sob sua proteção. O rapaz era apaixonado pela
jovem Silvia (Bete Mendes), mas não queria assumir o namoro com medo de perder
a herança do velho banqueiro, que lhe era destinada.
Pela primeira vez a homossexualidade foi
abordada de uma forma mais realista em uma telenovela. No entanto, este era um
tema tabu na televisão da década de 1970, vigiada pela censura do governo. Não
ficava explícito para o público que Mahler tinha um caso com Cauê. Mas, para um
bom telespectador, bastava meia cena, ou meio diálogo.
Não vou entregar o ouro, mas qualquer
pesquisa rápida na Internet revela o grande mistério de “O Rebu”: quem morreu,
quem matou e por que matou? Acredito que os responsáveis pelo remake (George
Moura no roteiro e José Luiz Villamarim na direção) vão mudar o desfecho da
história, já que o que segura uma trama policial é seu o mistério até o fim. Um
“remake por remake” não faz sentido nesse caso. Uma adaptação é totalmente
necessária.
“O Rebu” não foi um grande sucesso de
audiência. Mas é uma das novelas mais elogiadas de todos os tempos. A exigente
crítica Helena Silveira (1911-1988) era fã incondicional da obra. Na década
passada, Carlos Lombardi, ainda na Globo, manifestou seu desejo de reescrever a
história, mas o projeto acabou engavetado naquela ocasião.
Uma curiosidade envolve o título da novela:
“rebu” é uma abreviação de “rebuliço”, ou seja, confusão, tumulto, algazarra.
Mas “rebu” também foi uma expressão criada pelo espirituoso colunista social
Ibrahim Sued, na década de 1970, para designar um amontoado de mulheres bonitas
em uma festa – ou seja, um “rebuceteio” (lembra da pornochanchada “Oh
Rebuceteio''?!). Rebu acabou significando “festa”. Tudo a ver com a novela: uma
festa onde acontece uma confusão. Já sobre o palavrão, diria o debochado
Ibraim: “Sorry periferia!”.
Fonte: Nilson Xavier, do UOL
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