Numa das primeiras cenas de “O Astro”, dentro do presídio onde Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi) cumpre pena, o misterioso Ferragus (Francisco Cuoco) ensina: “Todos os seres humanos querem ser enganados, sobretudo as mulheres. Enganar com elegância é a alma do negócio”.
A frase pode ser lida como uma homenagem a Janete Clair (1925-1983). Nenhum outro autor de novelas soube “enganar” o público com tanta “elegância” quanto a autora da versão original de “O Astro”, exibida entre 1977 e 1978.
Com picos de audiência de 90%, alimentados pelo mistério em torno da morte de Salomão Hayalla, a novela literalmente parou o Brasil – reza a lenda, até o ditador Ernesto Geisel interessou-se pela história.
Na famosa crônica em que convocava os brasileiros a cuidar da vida, depois que “O Astro” terminou, o poeta Carlos Drummond de Andrade classificou Janete Clair, muito apropriadamente, como “usineira de sonhos”.
A frase de Ferragus também pode ser lida como uma crítica às telenovelas atuais, com seus truques manjados, apelações ridículas e exageros a granel.
Com audiência em queda, as novelas do horário nobre da Globo são hoje frequentemente obrigadas a deixar a “elegância” de lado para tentar capturar o espectador. Mas alcançam, na melhor das hipóteses, picos de 45%, a metade do obtido pelo “Astro” original.
Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, autores da versão que estreou nesta terça-feira, cuidam de avisar, logo na abertura, que o novo “Astro” é “baseado em uma história de Janete Clair”.
Um tributo
Não é um “remake”, uma novela refeita, nem uma condensação dos 180 capítulos originais nos 60 atuais. É, de fato, como se viu no primeiro capítulo, um tributo a uma novela que simboliza os melhores momentos da teledramaturgia brasileira e, também, da Globo.
O esforço de atualizar a trama é visível --vide as menções a Antonio Banderas e Angelina Jolie, o passeio pelo metrô do Rio, as imagens da Copa de 2010 etc. Mas os elementos centrais da trama de Janete Clair parecem preservados.
O “amor impossível” entre jovens de classes sociais diferentes, o casamento de conveniência dos milionários, o conflito entre pai e filho numa família de imigrantes árabes bem-sucedidos, a luta pelo poder numa empresa familiar, o drama entre pai e filha ricos (ele viciado em jogos, ela insatisfeita afetivamente) – está tudo lá na novela.
Além dos conflitos clássicos do melodrama e do célebre “quem matou?”, “O Astro” tem um personagem absolutamente incomum. Herculano Quintanilha é livremente inspirado em Luiz Lopez Rega (1916-1989), um esotérico argentino, amigo de Isabel Perón e, posteriormente, ministro no governo do marido dela, Juan Perón
Trambiqueiro, arrivista e sedutor, Herculano é a alma de “O Astro”. Na pele do personagem originalmente vivido por Francisco Cuoco, Rodrigo Lombardi carrega agora a dura missão de levar a novela nas costas. Pelo que se viu no primeiro capítulo, o ator tem o perfil para vivê-lo.
Ao diretor Mauro Mendonça Filho deve-se o crédito pelo bom ritmo do primeiro capítulo e pelo ótimo desempenho de atores de quem não se esperava muito, como Regina Duarte, Carolina Ferraz e Tiago Fragoso. Elas fazem companhia ao sempre bom Marco Ricca e à cada vez melhor Alinne Moraes. Daniel Filho, diretor da versão original, ocupa um lugar central, o de Salomão Hayalla, mas me pareceu pouco à vontade no papel.
Exibido sem intervalos comerciais, por 50 minutos, o primeiro capítulo de “O Astro” foi capaz, como fazia Janete Clair, de “enganar com elegância”, ou seja, de entreter com inventividade e qualidade. Tomara que continue assim.
Fonte: Maurício Stycer, do UOL
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