Miguel Falabella percorreu as memórias de sua
infância na Ilha do Governador, bairro da zona norte do Rio, para criar seu
novo humorístico "Pé na Cova", com estreia prevista para o dia 24 de
janeiro na Rede Globo.
"Voltei às minhas raízes, mas em um
universo bizarro. Acho que talvez esse trabalho seja o mais autoral",
contou o escritor durante coletiva realizada nesta segunda-feira (7) para
apresentar o novo projeto, no Projac. Na trama, Falabella é Ruço, um homem de
meia idade que cuida de uma funerária que carece de sua matéria-prima: os
mortos.
A família "desajustada" é composta
ainda por Darlene (Marília Pêra), uma maquiadora alcoólatra, Odete Roitman
(Luma Costa), uma jovem stripper que vive de fazer shows pela webcam,
Alessanderson (Daniel Torres), um aprendiz de político, e Abigail (Lorena
Comparato).
"Eles são os desvalidos vistos com
humor. Eles não têm educação, saúde, dinheiro e nem futuro, mas continuam a
lutar pela sobrevivência", opinou Falabella que aos 56 anos pretende
"tirar seu time de campo da televisão".
"Agora talvez seja meu último trabalho
[como ator] na televisão. Cada vez mais quero só escrever", ressaltou ele
que dentre outros projetos não descarta uma novela para o horário das 23h e
prepara seu primeiro romance sobre a história de sua família. Leia a entrevista
completa.
Ao
apresentar o seriado você disse que esse é o seu trabalho mais autoral. Por
quê?
Porque eu voltei às minhas raízes. Voltei
para as mulheres que via na minha infância e para o falar que ouvia no
subúrbio, mas claro que tudo isso está dentro de um universo bizarro. Crie uma
família disfuncional, fora dos padrões, a começar pelo meio de vida deles que é
morte.
Dentro
dessas suas lembranças da infância algumas delas têm a ver com cemitério,
funerárias...
Quando eu era criança costumava a brinca
perto de um cemitério na Cacuia [bairro do subúrbio carioca]. O pai de um amigo
meu tinha uma funerária perto. Íamos buscar frutas no cemitério. Acho o
cemitério um local interessante, bonito.
Você
chegou a comparar os personagens de "Pé na Cova" com os da "A
Família Adams". Qual a proximidade entre eles?
Na verdade eu estava em Nova York e assisti
ao musical "A Família Adams" e pensei sobre esse meu gosto pela
exceção, pelo o que não faz parte do mainstream. Eu gosto não só dos atores que
não estão na televisão, como do universo que a televisão não fala. Os personagens
de "Pé na Cova" não têm educação, saúde, dinheiro. Nem futuro eles
têm, mas eles não sabem disso e continuam a luta pela sobrevivência. Eles são
os desvalidos, mas com humor.
Você
escolheu o subúrbio para ser pano de fundo do seriado. Acha que uma família
como os da trama poderia também fazer parte da classe média?
Todos eles poderiam certamente fazer parte da
classe média. A grande parte dos seres humanos é bizarra. Nelson Rodrigues
dizia que deveríamos andar nus com a cara tapada. Fiz a opção pelo subúrbio
porque como disse fui atrás das minhas raízes e o Falabella suburbano foi o
Falabella que sempre deu certo.
Desde
"Toma Lá, Dá Cá" você está longe da televisão como ator. Agora você
volta como o Ruço, como é o seu personagem?
O homem depois que faz 50 anos forçosamente
começa a ver a finitude dos seus dias. O Ruço é um homem que está com mais de
50 anos e está fazendo um saldo da vida dele. É um homem que precisa lidar com
a família que ele tem; uma filha de faz strip, uma ex-mulher alcoólatra, um
filho aprendiz de corrupto e uma nora sapatão, a Tamanco, que é interpreta pela
Mart’nália.
O Ruço
vai ter preconceito contra a Tamanco?
Ele vai aceitando a Tamanco aos poucos. O preconceito dele é uma coisa que ele repete
sem saber o motivo.
Como
surgiu a ideia de chamar a Mart´nália?
Trabalhei com a Mart’nália em uma espetáculo
de teatro e foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Ela é uma grande
amiga e aceitou fazer. A Mart´nália é uma personalidade, não é uma atriz. Eu
escrevo pouco para ela, ela não consegue decorar, mas não estão nem aí para
isso [risos].
Há
chances de ter um beijo lésbico no seriado?
Não vai ter beijo, a relação delas é muito
light. A gente [os brasileiros] ainda está com uma pena na cabeça e um tacape
na mão. É um milagre que a gente tenha computador nesse país. Aeroporto nós não
temos, o Galeão [no Rio] é uma favela, uma vergonha. Então você acha que vai
ter beijo em um país onde as pessoas não sabem ler? Ninguém lê nada, ninguém
sabe de nada.
Após
"Pé na Cova" você pensa em voltar a escrever novelas?
Escrever novela é muito massacrante. Você tem
que agradar e as pessoas que assistem às novelas querem ver as mesmas coisas o
tempo inteiro. Quando é diferente eles não aceitam, é massacrante e é triste
quando não dá certo. É um trabalho brutal, é o alicerce da emissora e eu sou
uma pessoa transgressora. Não quero fazer a mesma coisa sempre.
Você
sempre trabalho nos horário das 18h e 19h. Não teria vontade de fazer algo no
horário das 23h? Talvez um remake ou um drama?
Tenho horror de remake. Não gosto de coisa
repetida. Vou para frente, não quero voltar para trás. Já não tenho tanto tempo
para fazer as coisas que eu quero. Quero fazer teatro, teatro é o que vai
ficar, todo o resto será apagado e copiado alguma coisa por cima.
Você
está sempre envolvido em muitos projetos. Já pensou em dar uma parada?
Agora talvez seja meu último trabalho como
ator na televisão. Cada vez mais quero escrever e aos poucos vou tirando o meu
time de campo da televisão. Eu vejo a finitude dos meus dias e preciso
priorizar o que quero fazer. Um dia de gravação no Projac é um dia perdido da
minha vida e tenho muitas coisas ainda a fazer. Tenho muito projetos para
teatro. Sempre digo que vou morrer no palco. Também quero escrever o romance
sobre a história da minha família. Mas não tenho medo da morte, é igual a andar
de tobogã.
Fonte: UOL
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