De nada adiantou João Emanuel Carneiro
afirmar que Avenida Brasil não foi concebida visando estrategicamente o público
da “nova classe C”. Com a novela no ar, nada seria mais representativo. Do que
foi mostrado até agora, do perfil dos protagonistas às ambientações dos
principais núcleos, tudo remete a essa emergente classe social. A abertura –
que ainda não disse ao que veio – e seu o tema musical – uma versão do “Kuduro”
– só vem intensificar essa premissa.
Mas já se percebe uma diferença fundamental
quando Avenida Brasil é comparada com Fina Estampa (a “trama nova classe C”
anterior): a assinatura sempre elitista de João Emanuel Carneiro (o autor) e
Ricardo Waddington (o diretor). Fotografia, roteiro, direção e interpretação de
atores independem da classe social da audiência. O pano de fundo pode ser um
bairro pobre do subúrbio carioca e os personagens podem ser do “povão”. Mas a estética
e o tratamento dado à produção denotam um capricho digno de produções digamos,
“mais elitizadas”.
Os personagens principais de Avenida Brasil
são clássicos, universais, atemporais. Os dramas se desenrolam no subúrbio
carioca, com gente simples. Mas poderiam ser no Leblon de Manoel Carlos. Indo
mais longe: a história poderia ser ambientada no interior da Rússia de
Dostoievski, de quem João Emanuel já afirmou ter buscado inspiração para sua
novela.
O autor disse em entrevista: “A novela é uma
fábula do século 19, não tem pretensão sociológica.” Além da referência a
Dostoievski, em personagens e dramas, é fácil também se lembrar da história de
Branca de Neve, a princesinha abandonada na floresta pelo caçador a mando da
madrasta má. Mas, como novela das nove precisa carregar no drama, essa princesa
não tem a mesma sorte de encontrar sete bondosos anões.
Os dois primeiros capítulos se apresentaram
em cores fortes, emocionantes, de intensa carga dramática, com sequências
alucinantes e de tirar o fôlego. A direção e o elenco mostram que não estão de
brincadeira. O núcleo principal que o diga: Adriana Esteves – a vilã Carminha
-, Tony Ramos – o marido enganado Genésio – e Mel Maia – a pequena órfã Rita,
maltratada pela madrasta e entregue à própria sorte.
A menina Mel Maia passa em cena uma
expressividade poucas vezes vista em atores mirins. Na sequência em que Rita é
abandonada no lixão, deu aquela vontade de correr lá para salvar a garota.
Adriana Esteves pesa a mão na interpretação na medida certa para admirarmos o
talento da atriz e odiarmos (ou não!) a personagem.
O Tufão de Murilo Benício é aquele personagem
criado para gerar a identificação imediata com a nova classe C: um suburbano
craque do futebol que enriqueceu e não quis sair do subúrbio, rodeado de todos
os tipos clássicos e possíveis que estereotipam o “povão”. É a Griselda da vez.
Para dar o refresco entre as cenas pesadas e
dramáticas, foi apresentado o núcleo cômico de Cadinho (Alexandre Borges), o
mulherengo atrapalhado que tem duas famílias e ainda se envolve com uma
terceira mulher. Era para ser engraçado, mas nem a sonoplastia de desenho animado
está ajudando. O que se viu de bom neste núcleo, por enquanto, foram as
presenças espirituosas de Débora Bloch e Carolina Ferraz, lindas e com o texto
afiado do autor na ponta da língua.
Esta, aliás, é uma lição que João Emanuel
Carneiro aprendeu com Aguinaldo Silva: a nova classe C gosta de ver os ricos da
zona sul carioca fazendo papel de bobos. Reza a cartilha da mais nova
teledramaturgia que os dramas têm que ficar com os pobres e o humor, com os
ricos. Tereza Cristina que o diga.
A audiência, ao que parece, não vem
correspondendo à altura da atração: o ibope dos dois primeiros capítulos de
Avenida Brasil esteve abaixo dos dois primeiros capítulos de Fina Estampa.
Esqueceram de avisar para João Emanuel Carneiro e Ricardo Waddington que a nova
classe C demanda um tempo para acostumar-se com uma proposta nova, diferente da
qual estava bitolada.
Fonte: Nilson Xavier, do UOL
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