quinta-feira, 29 de março de 2012

“Avenida Brasil” convida a elite pra dançar Kuduro


De nada adiantou João Emanuel Carneiro afirmar que Avenida Brasil não foi concebida visando estrategicamente o público da “nova classe C”. Com a novela no ar, nada seria mais representativo. Do que foi mostrado até agora, do perfil dos protagonistas às ambientações dos principais núcleos, tudo remete a essa emergente classe social. A abertura – que ainda não disse ao que veio – e seu o tema musical – uma versão do “Kuduro” – só vem intensificar essa premissa.

Mas já se percebe uma diferença fundamental quando Avenida Brasil é comparada com Fina Estampa (a “trama nova classe C” anterior): a assinatura sempre elitista de João Emanuel Carneiro (o autor) e Ricardo Waddington (o diretor). Fotografia, roteiro, direção e interpretação de atores independem da classe social da audiência. O pano de fundo pode ser um bairro pobre do subúrbio carioca e os personagens podem ser do “povão”. Mas a estética e o tratamento dado à produção denotam um capricho digno de produções digamos, “mais elitizadas”.

Os personagens principais de Avenida Brasil são clássicos, universais, atemporais. Os dramas se desenrolam no subúrbio carioca, com gente simples. Mas poderiam ser no Leblon de Manoel Carlos. Indo mais longe: a história poderia ser ambientada no interior da Rússia de Dostoievski, de quem João Emanuel já afirmou ter buscado inspiração para sua novela.

O autor disse em entrevista: “A novela é uma fábula do século 19, não tem pretensão sociológica.” Além da referência a Dostoievski, em personagens e dramas, é fácil também se lembrar da história de Branca de Neve, a princesinha abandonada na floresta pelo caçador a mando da madrasta má. Mas, como novela das nove precisa carregar no drama, essa princesa não tem a mesma sorte de encontrar sete bondosos anões.

Os dois primeiros capítulos se apresentaram em cores fortes, emocionantes, de intensa carga dramática, com sequências alucinantes e de tirar o fôlego. A direção e o elenco mostram que não estão de brincadeira. O núcleo principal que o diga: Adriana Esteves – a vilã Carminha -, Tony Ramos – o marido enganado Genésio – e Mel Maia – a pequena órfã Rita, maltratada pela madrasta e entregue à própria sorte.

A menina Mel Maia passa em cena uma expressividade poucas vezes vista em atores mirins. Na sequência em que Rita é abandonada no lixão, deu aquela vontade de correr lá para salvar a garota. Adriana Esteves pesa a mão na interpretação na medida certa para admirarmos o talento da atriz e odiarmos (ou não!) a personagem.

O Tufão de Murilo Benício é aquele personagem criado para gerar a identificação imediata com a nova classe C: um suburbano craque do futebol que enriqueceu e não quis sair do subúrbio, rodeado de todos os tipos clássicos e possíveis que estereotipam o “povão”.  É a Griselda da vez.

Para dar o refresco entre as cenas pesadas e dramáticas, foi apresentado o núcleo cômico de Cadinho (Alexandre Borges), o mulherengo atrapalhado que tem duas famílias e ainda se envolve com uma terceira mulher. Era para ser engraçado, mas nem a sonoplastia de desenho animado está ajudando. O que se viu de bom neste núcleo, por enquanto, foram as presenças espirituosas de Débora Bloch e Carolina Ferraz, lindas e com o texto afiado do autor na ponta da língua.

Esta, aliás, é uma lição que João Emanuel Carneiro aprendeu com Aguinaldo Silva: a nova classe C gosta de ver os ricos da zona sul carioca fazendo papel de bobos. Reza a cartilha da mais nova teledramaturgia que os dramas têm que ficar com os pobres e o humor, com os ricos. Tereza Cristina que o diga.

A audiência, ao que parece, não vem correspondendo à altura da atração: o ibope dos dois primeiros capítulos de Avenida Brasil esteve abaixo dos dois primeiros capítulos de Fina Estampa. Esqueceram de avisar para João Emanuel Carneiro e Ricardo Waddington que a nova classe C demanda um tempo para acostumar-se com uma proposta nova, diferente da qual estava bitolada.

Fonte: Nilson Xavier, do UOL

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