Thiago Faelli e Andréa Midori Simão, que receberam propostas
para trabalhar de graça
Roterista por trás de programas consagrados e
de alguns filmes, Andréa Midori Simão aposentou o telefone celular. Não
aguentava mais o assédio de quatro produtores. Eles insistiam para que ela
trabalhasse... de graça.
"Desliguei o telefone porque, nesse
mercado, fica parecendo grosseria dizer 'não'", justifica ela, que assina
produções de TV como Cocoricó e Pedro e Bianca, da Cultura, Águias da Cidade,
do Discovery, e episódios de Alice, da HBO, além de filmes (Xingu) e do
premiado curta-metragem Tori.
Recentemente, Andréa foi procurada por uma
grande produtora, em negociação com um canal internacional, distribuído por uma
igualmente grande programadora. "Nos pediram para formatar um documentário
de graça", conta.
O depoimento de Andréa revela um lado nada
glamouroso da nova lei da TV por assinatura, a 12.485/11, que cria cotas de
programas e canais brasileiros na TV paga.
Ajuda de custo - É verdade que, forçados pela lei, canais estrangeiros
e brasileiros estão procurando produtoras independentes e encomendando séries e
documentários. Por conta da nova lei, tem produtora até reclamando que está
faltando mão-de-obra especializada, principalmente roteirista, diretores de
fotografia e eletricistas.
Mas é verdade também que no Brasil, à exceção
da TV aberta, ainda se dá muito pouco valor ao roteirista. A TV paga está
copiando o modelo do cinema, no qual o diretor é o autor. As jornadas de
trabalho são de 12 horas. E se paga muito mal. Há roteiristas ganhando de R$
2.000 a R$ 4.000 por episódio de seriado.
Newton Cannito em protesto: crise de visão de mundo
Isso quando ganham. Como no cinema, muitos
roteiristas têm sido convidados a desenvolver produtos "no risco". Os
profissionais escrevem sinopses, perfis de personagens, todo o arco de uma
temporada e até o roteiro do piloto sob a condição de só serem remunerados caso
o projeto vingue.
"Muitas vezes, o prêmio para todo esse
trabalho é receber os outros episódios para escrever, e a preços bem baixos,
quase uma ajuda de custo", relata Thiago Faelli, sócio de Andréa Midori
Simão na Depto Ficcional, empresa especializada em roteiros.
Exploração
- A discussão sobre a exploração de roteiristas foi parar nas redes sociais.
Diretora da AR (Associação dos Roteiristas) e professora da Faap, Ana Paul
motivou comentários irados ao revelar, semana passada, no Facebook:
"Não faz nenhum sentido trabalhar de
graça em projetos para cumprir a lei 12.485. Por mais que várias séries de TV
sejam maravilhosas e geniais, melhores que muitos filmes por aí, ainda assim a
TV é um negócio que só existe com o objetivo de ganhar dinheiro, movimentando
milhões por ano. Caso você trabalhe de graça ou por valor simbólico, será muito
ingênuo. Se você não ganha, há gente ganhando por você. Ainda que a produtora
que você trabalha não ganhe, há gente ganhando por ela".
Crise de roteiro - Para Newton Cannito, presidente da AR e um dos
colaboradores da próxima novela das seis da Globo, Joia Rara, o mercado está "aquecido"
para roteiristas, por causa da lei 12.485. "Mas as produções são muito
precárias, pagam pouco", pondera.
Cannito afirma que "há uma crise de
roteiro, de visão de mundo", não de roteiristas. Isso porque as produtoras
são pequenas e não têm dinheiro para investir no desenvolvimento de boas
ideias. E a lei que criou cotas de programas nacionais na TV paga não prevê
verba para isso.
A Ancine (Agência Nacional do Cinema) promete
corrigir essa distorção. Trabalha atualmente em um pacote de medidas, chamado
de Prodav, que inclui programas de desenvolvimento de roteiros.
Fonte: R7
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