quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O curioso sucesso de audiência de "Amigas e Rivais"


Parceria do SBT com a mexicana Televisa, “Amigas e Rivais” foi ao ar entre 2007 e 2008 sem grande sucesso. Adaptada por Letícia Dornelles, a novela enfrentou as turbulências típicas do SBT, em especial a indefinição quanto ao melhor horário de exibição: a trama passou por nove vezes mudanças na grade ao longo de pouco mais de seis meses.

Exibida novamente, desde o final de abril de 2011, agora no horário vespertino, “Amigas e Rivais” se transformou num fenômeno raro. A reprise está fazendo mais sucesso do que quando passou pela primeira vez.

Mais curioso ainda, a novela frequentemente supera a audiência de “Amor e Revolução”, a produção original, de Tiago Santiago, que é o principal investimento do SBT em 2011.

Na quarta-feira, 3, por exemplo, “Amigas e Rivais”, exibida às 14h15, bateu recorde de audiência, alcançando sete pontos e deixando o SBT na vice-liderança. No mesmo dia, à noite, “Amor e Revolução” teve média de cinco pontos no Ibope.


Hoje redatora do “Show do Tom”, na Record, Letícia Dornelles (foto acima) respondeu a algumas perguntas sobre o tardio sucesso de sua novela no SBT:

O que explica o fato de “Amigas & Rivais” ter mais audiência hoje, sendo reprisada no horário vespertino, do que em sua exibição original, no horário noturno, entre 2007 e 2008?
A TV é um dos maiores mistérios que existem. Tem nuances que passam despercebidas a olhares mais grosseiros. TV é manhosa. Um texto divino, bem produzido, às vezes dá ibope baixo. E ganha o injusto rótulo de “fracasso”. Não se dão conta do prestígio que é ter tal produto na grade. E programas sem conteúdo, sem cérebro, pontuam bem, e são chamados de “sucesso”. Há espaço para tudo. Até porque, se dá ibope, é porque tem quem goste e queira ver. Nenhuma fatia do público deve ser ignorada. Sinto um imenso prazer de acompanhar a audiência de “Amigas e Rivais”. Ao revê-la, me emociono. Foi a melhor fase da minha carreira. Vivi um sonho. Fui Cinderela no SBT. E tive a confiança do Silvio – o que não é pouco.  Há um público novo de “Amigas e Rivais” que está conhecendo a novela agora ou não assistiu na primeira exibição por causa do horário irregular. Meses enfrentando a novela das 9 da Globo. Sofremos. E há os que gostaram da primeira vez e estão revendo. Digo que são o meu time. Torcem por mim e pela novela. A grade fixa ajuda muito a obter essa boa audiência. A novela é atraente. Merece ser vista.

A reprise de “Amigas & Rivais” também alcança mais audiência que a exibição de uma novela original do SBT, “Amor e Revolução”. Qualidade da sua novela ou problema da outra?
Não assisto a novela do Tiago. Não cabe a mim analisar a novela dele. Já deve ter profissionais do SBT fazendo isso e ele próprio deve ter autocrítica. Ninguém joga para perder. Teve carta branca, verba e muita divulgação. Desejo que seja feliz.  Só posso falar de “Amigas e Rivais”: é muito gostosa de assistir! Tem muita qualidade. A trama tem um forte apelo emocional. Trato de relações familiares. Espiritualidade. É novela para a família assistir com o coração apertado. Um folhetim rasgado. Mas, se for preciso escrever outro remake, encaro. Acredito que a volta de “Amigas e Rivais”, com audiência bacana, deu um novo oxigênio às minhas pretensões. Trouxe luz para o meu trabalho. Adoro escrever programa de humor. Não quero abandonar. Mas a dramaturgia está no sangue. No coração. Na alma.

Você já comentou que a novela mudou de horário nove vezes. O SBT não é sério? A emissora sabe fazer novelas?
O SBT já produziu tramas excelentes. Sabe fazer novelas e há de produzir muito ainda. Torço com todo meu amor por eles. É uma TV deliciosa para se trabalhar. Fui muito feliz e bem tratada lá. Há profissionais competentes, inspirados, criativos, de altíssimo nível nos bastidores. Gente que não aparece, que trabalha como formiga, no dia a dia sem glamour. Mas há um ensinamento do Boni: “TV é hábito”. “Amigas e Rivais” trocou de horário nove vezes. Sem chamadas para os novos horários. Nos últimos meses, enfrentamos os capítulos finais de “Paraíso Tropical”, e o início de “Duas Caras”, na Globo. “Amigas e Rivais” seria uma novela das 7. Perfis, trama “amaciada”, e diálogos para às 7. Não era uma concorrência justa. Um fator importante para a boa audiência é a grade fixa. O SBT amadureceu.  O público se sente confortável em saber que, naquela hora, a novela vai estar no ar. A pessoa não vai para a escola, para o trabalho, cada dia num horário. Tem de haver disciplina. Na TV é igual. Brasileiro ama folhetim. Temos as melhores novelas do mundo, atores magníficos, e muita garra.

Quais eram as limitações do seu trabalho como adaptadora?
“Amigas e Rivais” tinha potencial. Até certo ponto, não pude mexer na história. Mudava os diálogos, mas tinha de respeitar a ordem das cenas. A trama era lenta. Eu queria dar ritmo. A vilã mexicana só aparecia no capítulo 6. Eu a fiz brilhar desde o primeiro capítulo. Não recebi a sinopse original. Ia recebendo capítulo por capítulo. Não tinha uma visão do futuro de cada personagem, da trama. Quando os mexicanos viram meu trabalho, disseram: “Corte e mude o que quiser.” Sempre me apoiaram, incentivaram. Ficamos amigos. Até hoje nos falamos. O produtor executivo Salvador Mejía disse que a minha versão era melhor do que a mexicana.

Tiago Santiago falou que foi obrigado a mudar “Amor e Revolução” por causa do resultado de pesquisas com espectadores, que criticaram a violência das cenas de tortura. Você teve problemas semelhantes lá?
Nunca. Só tive que diminuir cenas com participação de atores sem contrato fixo por causa do orçamento.  Soube que um executivo reclamou que meus gays “apareciam muito”. Graças a Deus, Silvio não lhe deu ouvidos. Os gays não agrediam ninguém. Não tinham vocabulário impróprio. Eram pessoas boas, alto astral, finos. Tratei com elegância. Tive cenas de violência light. Toda novela tem vilões. Mas sei que o público do SBT rejeita os excessos e respeitei. Minha vilã era uma psicopata assassina. Mas tinha senso de humor. Era uma perua vaidosa que dizia “modéstia à parte, eu sou perigosa”, se elogiava o tempo todo, bradava “ai, como eu me divirto” a cada maldade, e se vangloriava de não ser um tédio “modéstia à parte, eu agito essa cidade”. Fugi do vilão estereotipado e cafona que mostra os dentes feito cachorro louco e barbariza no automático. Não gosto. Por maior que fosse a barbaridade cometida, Rosana Delaor tinha torcida e fãs. Se autointitulava a “ruivinha meiga”. A atriz Talita Castro “divou”. Ganhou nota dez do “Globo”.

A direção do SBT proibiu Santiago de desenvolver a história de amor entre duas mulheres e também a que ele planejava com dois homens. Como você vê este tabu nas novelas?
Não sei como se deu a proibição, se é que houve, nem a maneira como Tiago conduziu as tramas, pois não assisto a novela. Tudo é colocado na balança. Se chegou a exibir um beijo entre mulheres é porque teve liberdade. Nas séries americanas, os casais gays são bem aceitos. Não afrontam. E olha que americano é conservador, “moralista”. Veja o caso de “Brothers & Sisters”, série que mais se assemelha às nossas novelas tradicionais, e cujo tema central são as relações familiares. Kevin era casado com Scott. Davam beijo na boca. Eles eram um casal fofo, bons filhos, amigos leais, amorosos com todos, ótimos profissionais, éticos. No Brasil, há muito preconceito e hipocrisia. Desrespeito com os gays. Um casal gay bem escrito, com os conflitos bem desenvolvidos, com bom gosto e elegância, como os gays da novela do Gilberto Braga e Ricardo Linhares, merece meu aplauso. O romance entre iguais deve ser mostrado. Homossexuais são parcela importante do público. São pessoas que merecem nosso respeito. Não podem ser ignorados. Sempre com bom gosto, regra que deve valer também para os relacionamentos héteros. O que agride é a baixaria. Não a homossexualidade.

Fonte: Maurício Stycer, do UOL

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