“Sangue Bom”, a novela das sete da Globo que
terminou nesta sexta-feira (01/11), vai deixar saudades. Nossa TV anda carente
de bons textos, bem escritos, que não subestimem a inteligência do
telespectador. A trama de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari teve o mérito
de aliar a qualidade do roteiro ao divertimento: cumpriu bem sua função de
novela das sete (simplesmente entreter) e ainda fez crítica ao mundinho das
celebridades, sua principal proposta.
Através de um texto irônico e divertido,
“Sangue Bom” abordou de uma forma inteligente um tema próprio desses nossos
tempos, de reality-shows e mídias sociais: a necessidade de manter-se em
evidência a qualquer custo, sem mérito e com o mínimo esforço. O ser lembrado,
o ser amado, o ser “seguido” (na internet). “Sangue Bom” não levantou nenhuma
profunda discussão psicossocial – nem podia. Mas é digna de mérito por
simplesmente fazer refletir com comicidade sem subestimar seu público.
Como pano de fundo, a aproximação de seis
jovens, os protagonistas: Bento (Marco Pigossi), Amora (Sophie Charlotte), Malu
(Fernanda Vasconcellos), Fabinho (Humberto Carrão), Giane (Isabelle Drummond) e
Maurício (Jayme Matarazzo). A aposta nos seis promissores atores revelou-se
acertada. O texto bem amarrado, a direção firme e o entrosamento desse elenco
fez com que tudo fluísse conforme o planejado, como em um casamento feliz.
A Globo sempre investiu e apostou em jovens
atores. Não fosse assim, como teria sido a carreira de Glória Pires? Depois de
alguns poucos papeis sem muita relevância, foi a aposta nela como protagonista
da novela “Cabocla” (de Benedito Ruy Barbosa, em 1979) que lançou a então
adolescente atriz ao estrelato. Aliás, o remake desta mesma novela (de 2004)
lançou outra jovem que hoje brilha na TV: Vanessa Giácomo, a Aline de “Amor À
Vida”.
Os vilões mexem com os sentimentos do
público. Amora e Fabinho foram personagens bem mais complexos do que simples
vilões. Suas vilanias talvez fossem dignas da mais folhetinesca das novelas.
Mas suas personalidades foram bem além do mero maniqueísmo. Apesar da redenção,
eles mantiveram a mesma essência: Fabinho pagou o preço de suas maldades, mas
nunca deixou de ser interesseiro, enquanto Amora comeu o pão que ela mesma
amassou com veneno. Os atores – Sophie Charlotte e Humberto Carrão – foram dois
dos maiores destaques da novela.
Um time de coadjuvantes de peso garantiu o
suporte para os jovens atores: Giulia Gam (Barbara Ellen), histriônica,
exagerada, uma aspirante a Viúva Porcina; Malu Mader forçando um sotaque
(paulistanês?) fake com sua Rosemere, mas tão bonitinho em sua boca; Ingrid
Guimarães e sua Tina (melhor na “fase Nina de Avenida Brasil”); Marisa Orth com
suas Damáris e Gladis – uma espécie de releitura da Nicinha de “Rainha da
Sucata” -; e Letícia Sabatella responsável por partes dramáticas da novela, com
Verônica e sua outra face, Palmira Valente.
“Sangue Bom” não ficou imune aos percalços. O
diretor Carlos Araújo foi afastado. O ator Josafá Filho (Filipinho) também, por
um tempo. Xuxa Lopes (Bluma Lancaster) afastou-se. A novela tinha um elenco
gigantesco, com muitos jovens atores, vários deles desconhecidos do público
(“Ti-ti-ti” também tinha). Ao seu término, eu ainda não sabia quais eram os
filhos de Damáris (Marisa Orth) e quais os filhos de Brenda (Letícia Isnard).
Pra quê tanto filho, empregada e secretária? Apesar do elenco inchado, parece
que nenhum ator coadjuvante ficou sem algum destaque em algum momento. Mais um
ponto para os autores, que souberam administrar um elenco grande dando falas
para todo mundo.
Três características de “Ti-ti-ti” foram
repetidas em “Sangue Bom”: a trilha sonora bacana, a citação a outras novelas e
personagens de nossa Teledramaturgia, e a homossexualidade tratada de uma forma
para lá de natural, com direito a final feliz para casais gays. Sem levantar
bandeira, a diversidade imperou em ”Sangue Bom” – inclusive através da figura
da Mulher Pau-de-Jacu (André Luiz Alvim) – travesti? transsex? drag-queen?
Longe da audiência alcançada por “Cheias de
Charme” (2012), o último grande sucesso do horário (média final de 30 pontos no
Ibope da Grande São Paulo), “Sangue Bom” teve um resultado até modesto no
Ibope: 25 pontos – enquanto “Aquele Beijo”(2011-2012) alcançou o mesmo número,
e “Guerra dos Sexos” (2012-2013) fechou com 23.
Difícil listar todos os destaques de elenco
quando uma novela é redonda, bem dirigida e todos tem uma boa parcela de
destaque. Além dos já citados, vale ressaltar ainda a jovem Tatiana Alvim, a
Socorro (representante dos talifãs de celebridades); Ellen Roche, com sua
radiante Mulher Mangaba (que merecia um programa de entrevistas de verdade na
televisão #dica); e Tuna Dwek, como Sueli Pedrosa, a viperina repórter de
fofoca, através da qual “Sangue Bom” ensinou que a mídia constrói e destrói uma
persona com a mesma rapidez e facilidade, e que todos, sem exceção, têm teto de
vidro, inclusive a mídia e seus representantes.
Fonte: UOL
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