quinta-feira, 28 de abril de 2011

Marcílio Moraes diz que Record terá de correr atrás dele


"Ribeirão do Tempo", que estreou em 18 de maio do ano passado, chega ao fim na próxima segunda-feira (2), com 250 capítulos. O autor da trama, Marcílio Moraes, de 66 anos, esperava que a novela, com previsão de término em janeiro de 2011, fosse esticada um pouquinho. Mas não que chegasse até maio. "Com a minha experiência em novelas, sei que os prazos nunca são sagrados. Sempre tem a possibilidade de aumentar e a gente aprende a se precaver. Primeiro, ela ia acabar em janeiro. Aí passou para depois do carnaval. No fim das contas, ficou quase um ano no ar", contabiliza. O escritor já entregou todos os capítulos para a emissora, mas isso não significa que o trabalho tenha acabado. "Não estou de férias porque acompanho a novela no ar", explica. Marcílio, agora, só pensa em descansar: "Para fazer outra novela, a Record vai ter que correr atrás de mim. Vou me esconder", brinca.

Apesar de ter sido esticada duas vezes, a trama de Marcílio Moraes teve média anual de 13 pontos. "'Ribeirão do Tempo' não foi uma campeã de audiência, mas foi boa. Acima de dez pontos na Record é bem razoável. O SBT colocou 'Ana Raio e Zé Trovão' para concorrer com a gente e a novela deles, apesar de ser uma reprise, teve uma audiência de 7 ou 8 pontos. Isso divide um pouco o telespectador. E ainda tinha os humorísticos, como o 'CQC', que é bom e tem o seu público. Fora que, de vez em quando, a Globo coloca a novela das nove até as 22h45", justifica.

Para o autor, Juliana Baroni, a Karina, e Bianca Rinaldi, a Arminda, foram as gratas surpresas. "No geral, todo mundo foi bem. Mas a Juliana  e a Bianca surpreenderam porque as duas personagens eram dúbias. Arminda era meio vilanesca, mas tinha uma paixão pelo Joca [Caio Junqueira], que fazia com que o espectador não ficasse com raiva dela", analisa.

Na entrevista exclusiva a seguir, feita no escritório usado por Marcílio para escrever suas tramas, na zona sul do Rio, o autor fala sobre a época em que trabalhava na Globo, as adversidades de "Ribeirão do Tempo" e o filme "A Lei e o Crime", que deve ser rodado no segundo semestre.

"Ribeirão do Tempo" foi a maior novela que você já escreveu?
Foi a maior novela que já escrevi em termos de capítulos no ar. São 250 no ar e 215 escritos. É que tem capítulos menores e as tramas vão passando de um dia para o outro. A Record tem dessas coisas...

Você teve problemas para aumentar duas vezes a novela?
Não tive problema porque eu tinha muito assunto. Tinha por onde ampliar a trama sem cair na mesmice.

Então qual foi a maior dificuldade que você enfrentou em "Ribeirão do Tempo"?
A novela foi uma obra trabalhosa. É que a cidade toda era um personagem coletivo. Armar uma história com todo mundo junto, foi complicado. Era trabalhoso. Para o Querêncio [Taumaturgo Ferreira] descobrir que era filho da Madame Durrel [Jacqueline Laurence], movimentei toda a cidade. Jacqueline estava muito bem no papel, mas ela tinha que morrer para a história andar. Acho muito fajuto esse artifício de que morreu e depois não morreu. De repente, o morto reaparece. Não gosto muito. Em "Irmãos Coragem", enterraram um caixão cheio de pedras.

Mas você foi colaborador no remake de "Irmãos Coragem", em 1995, ao lado do Dias Gomes.
Mas a Janete Clair tinha escrito isso em 1970!

"Ribeirão do Tempo" vai terminar em uma segunda-feira. Não seria melhor acabar na sexta-feira, como faz a Globo?
A Record tem essa estratégia porque considera que a terça-feira é o dia mais vulnerável da Globo. Mais do que a segunda porque a concorrência pode botar um filmaço e a Record perderia audiência. "Vidas Opostas" também terminou em uma segunda-feira.

Não seria bom se o último capítulo fosse, pelo menos, reprisado?
Seria bom uma reprise, mesmo que fosse em outro dia que não a terça, já que é quando a Record quer estrear outra novela. Talvez uma boa opção fosse o domingo, que tem uma grade mais flexível. Muita gente perde o capítulo final. Se bem que hoje tem a internet, que facilita. Todos os capítulos estão na internet.

Você abordou temas polêmicos em "Ribeirão do Tempo", como política corrupta e pedofilia, no caso do senador interpretado por Heitor Martinez. Sofreu algum tipo de censura?
Tive total liberdade. Não teve nenhuma restrição. Um ou outro detalhe às vezes acontece de ser cortado, como um capítulo que tenha muito palavrão. Aí, tiro alguns. Mas nunca o bispo [Edir Macedo] me ligou. O Hiran Silveira [diretor de teledramaturgia da Record] é que fazia contato. Mas este é um acordo que acontece em qualquer emissora. Reduzi um pouquinho as cenas picantes também. Mas nem botei muitas porque não gosto mesmo. Nesse aspecto, "Ribeirão do Tempo" era uma novela leve e bem-humorada.

Você já trabalhou na Globo, onde fez "Roda de Fogo", "Mandala" e "Sonho Meu". Acha que "Ribeirão do Tempo" se encaixa no perfil de sua antiga emissora?
Acho que a Globo não aprovaria por causa da política. Essa história de política, com pessoas fazendo ilações com o Lula, porque havia políticos bebendo cachaça... Só para esclarecer: o personagem bêbado não era o Lula. Não era ninguém. Mas isso seria uma preocupação na Globo. Pelo menos essa é a lembrança que eu tenho de lá. Pode ser que alguma coisa tenha mudado, mas acredito que não.

Você disse textualmente que não se inspirou no Lula para fazer os políticos de "Ribeirão". Mas teria se inspirado na política brasileira de um modo geral?
Na política brasileira sim. A começar por essa história de que o senador tem um suplente que não é votado pelo povo. Se ele renunciar ou morrer, como aconteceu com o pai do Nicolau [Heitor Martinez], o suplente assume. E, no caso de "Ribeirão", Nicolau é um perverso, alucinado total. Ele não é um vilão comum porque tem perversões, como a pedofilia, e gosta de poder. Para piorar, o partido ainda o indica para a presidência. Ele faz um jogo com a morte o tempo inteiro.

E Nicolau morre no final?
Todos os vilões serão punidos.

Isso significa que ele vai morrer, então?
Me entreguei, né? Ele morre, sim. No último capítulo. Todos os crimes dele vão vir à tona. Mas eu não vou te contar como vai ser essa morte.

As gravações de "Ribeirão do Tempo" só terminam no sábado, dia 30. Isso foi uma estratégia para que o final não vazasse para a imprensa?
É assim mesmo. Aconteceu. Não foi proposital.

Nasinho [Thelmo Fernandes] foi morto pela então mocinha Karina, feita pela Juliana Baroni. Ela já era uma possível vilã na história?
Ela já tinha características, mas nem era tão vilã. Karina começou na trama como namorada do Tito [Ângelo Paes Leme]. Aí, ele transa com a Filomena [Liliana Castro], que fica rica. E Tito se casa com Filó para salvar a pousada, deixando Karina para trás. Ela ficou abandonada, o senador se interessou por ela, os dois transaram enquanto ela ainda estava com Tito e aos poucos vai entrando na maluquice de Nicolau. Mas Karina sempre foi mentirosa. No começo, não tinha ideia de que ela seria capaz de matar e nem havia pensado em juntá-la com Nicolau. No meio do caminho, achei que seria um casal interessante. Juliana estava fazendo bem e achei que valia a virada da personagem. Ela já tinha esse potencial.

Você sentiu dificuldade em escalar o elenco? Galãs são sempre difíceis na hora da escalação...
Não gosto de galãs. Não ligo para essas categorias de galã ou vilão. Prefiro os personagens mais normais. O casal romântico de "Ribeirão" era o Joca boboca com a Arminda, que era malvada e desprezava ele. Joca era um personagem querido por ser atrapalhado. Podia ter escolhido até alguém mais feio do que o Caio Junqueira. O Caio é até bem bonitinho. [risos] Não houve dificuldade na escalação. Não faço um personagem para um determinado ator. Eu crio o personagem. Depois vejo quem pode fazer bem. Isso me dá mais liberdade para escrever e desafia o ator também. Esse negócio de dar o personagem para o ator é ruim. O cara pode não querer, não estar com vontade de fazer...

Como é a sua rotina quando está escrevendo?
Novela é um inferno! Ocupa o tempo todo fisicamente e mentalmente. Eu acordo, leio o jornal, saio de casa e venho para o escritório para ficar mais isolado. Passo aqui o dia todo. Só volto para casa à noite. Aí, vejo a novela no ar. Eu gosto para ver a concorrência, ficar de olho no Ibope. Muitas vezes trabalhava em casa mesmo quando a novela terminava. É muito desgastante. No final, escrevi 7 mil laudas.

Você se preocupa com o Ibope?
Hoje não tem mais aquele aparelhinho que mede a audiência. A Record paga e dá uma senha para o autor acompanhar o Ibope pela internet. Não fico preocupado com o Ibope, mas acompanho. Na Record, dando acima de dez pontos, já fica mais tranquilo.

Você foi colaborador de Aguinaldo Silva em "Roque Santeiro" [1985], e também de Dias Gomes no remake de "Irmãos Coragem" [1995]. Que qualidades você destaca nestes dois autores?
O Aguinaldo é competente, estruturava muito bem os capítulos. O Dias era mais um mestre mesmo. Vinha do teatro, como eu, e nós tínhamos uma identificação maior.

"Roque Santeiro" foi escolhida para substituir "Vale Tudo", de Gilberto Braga,  no Canal Viva. Como você recebeu essa notícia?
"Roque Santeiro" já foi reprisado no "Vale a Pena Ver de Novo".  "Vale Tudo" nunca tinha sido. Talvez "Roque Santeiro" não faça tanto sucesso por isso. Mas é claro que vou dar uma olhada. Eu assino o Viva. Mas não vou ver tudo de novo.

Você diz que Dias Gomes é um mestre e se identificava mais com ele. Mas ele te deixou com um problema nas mãos quando escreveu só 26 capítulos de "Mandala" [1987] e você assumiu o restante da novela...
Isso já estava previsto. Ele ia escrever 36 capítulos e depois eu assumia. Ele só escreveu dez a menos. "Mandala" foi um projeto muito ousado de fazer. Era complicada a questão do relacionamento amoroso entre a mãe e o filho. E depois é que se viu que o problema era enorme. Na época, o Boni {José Bonifácio de Oliveira] tinha assinado um compromisso com a censura de que o incesto não ia acontecer. Me mostraram a carta. Aquilo foi um inferno. A Vera Fischer, que fazia a Jocasta, se apaixonou de verdade pelo Felipe, que era o Édipo e chegou a largar o então marido. Foi um inferno completo. Foi muito duro de fazer. Consegui contornar a situação graças ao bicheiro Tony Carrado [Nuno Leal Maia], que se apaixonou pela Jocasta.

Você saiu da Globo em 2002. O que aconteceu?
A gente não se entendia. Os projetos que eu queria fazer, a Globo não aceitava. E o que eles queriam que eu fizesse, eu não concordava. Resumido: Eu estava de saco cheio da Globo e eles de saco cheio de mim.

Depois da sua saída da Globo, você ficou três anos sem emprego. Como viveu essa época?
Foi complicado, mas eu tinha uma reserva. Na realidade, para mim era mais traumático porque a Globo é uma empresa. E eu era um escritor só. Pensei... E agora? Se não aparecer alguma coisa legal? Mas faço teatro... Me viro... Não tinha mais nada em termos de teledramaturgia. A Record não estava em expansão. O SBT só fazia novelas mexicanas e a Record fazia poucas coisas. Nesse tempo, eu reciclei minha cabeça e depois, felizmente, fechei com a Record.

Seu contrato com a Record vai até 2013. Já pensa em um novo projeto?
Para fazer outra novela, a Record vai ter que correr atrás de mim. Vou me esconder. É muito tempo. Não é tão cansativo, mas você tem que se dedicar o tempo inteiro para aquilo. Deixei de nadar, que é uma coisa que eu adoro fazer. Ia duas vezes por mês à natação. Aí é chato. Mas tem um seriado policial que a gente quer fazer. O "Chapa Quente", mas esse é um nome provisório, que com certeza vai mudar. Penso em fazer esse ano ainda, mas no segundo semestre. Seriado é sempre mais leve, com poucos capítulos. Inicialmente, seriam quatro capítulos. Agora vamos ter que conversar de novo. Mas sempre é pouco. Não são 200, como em uma novela.

Em 2010, você fez o seriado "A Lei e o Crime". Ele vai mesmo virar um filme?
O roteiro está pronto. É uma produção independente com apoio da Record. Atrasou por questões burocráticas de captação de recursos. Já era para ter saído, mas agora eu acho que vai. Deve ser filmado esse ano. Ainda não tenho elenco definido porque tenho que rever, fazer o segundo tratamento no roteiro. A nossa realidade mudou. A bandidagem já não está tão presente na mídia do Rio de Janeiro. E teve as ocupações nos morros cariocas recentemente. Pode ser que eu inclua a ocupação no roteiro.

"Vidas Opostas" [2006] tinha conflitos policiais. "Ribeirão do Tempo" teve oito assassinatos até agora e ainda tem o seriado "A Lei e o Crime" para virar filme. O estilo policial te atrai?
Eu tenho facilidade de fazer o gênero policial. Mas em "Ribeirão" não teve o tradiiconal quem matou?. Existem duas maneiras de se fazer bem esse estilo: ou há uma situação em que os personagens sabem o mistério e o espectador não sabe, ou vice-versa. Os personagens não sabem que o Flores [Antônio Grassi] é o vilão, mas nós sabemos. Isso cria um mistério que funciona bem. Acho que o  quem matou? fica muito fajuto normalmente porque acaba podendo ser qualquer um. Você inventa na hora uma história para aquele que matou. Um romance policial tem que ser mais rigoroso. Não sou um grande leitor de livros policiais, mas gosto de escrever.

Com quais atores você gosta de trabalhar?
Gosto do Ângelo Paes Leme e do Heitor Martinez. Também admiro muito o trabalho da Adriana Garambone, mas nunca acontece de a gente trabalhar. Agora ela está no ar em "Rebelde".

Seus próximos projetos são para o segundo semestre. Isso significa que você vai ter apenas dois meses de férias. Já pensou no que vai fazer?
Não sei ainda. Estou acabando uma obra na minha casa, na Gávea [na zona sul do Rio de Janeiro], mas depois vou fazer uma viagem. A família fica meio de lado quando se está envolvido em um projeto grande como uma novela. Os filhos cresceram e foram embora, os amigos sumiram. Só ficou a mulher [a professora Violeta Quental], que está comigo há trinta e poucos anos.

Fonte: UOL TV

2 comentários:

  1. parabéns pela entrevista, Silvério... clara e objetiva!

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  2. Olá Isaac!

    Obrigado pela visita e pelo comentário.

    Só um detalhe: não fui eu quem fez a entrevista, apenas transcrevi. Ok? Tenho de dar o crédito a quem de direito...

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