Como traduzir o universo mitológico e simbólico que permeia o rio São Francisco numa narrativa puramente visual? A abertura de "Velho Chico" abusa das cores e formas para traduzir os sentimentos da história e a arte regional pelas mãos de Samuel Casal e Mello Menezes. O painel principal, que mede 1,8 m x 1 m, levou cinco dias inteiros para ser realizado, mas a concepção da peça demorou mais tempo: começou com uma reunião com o diretor Luiz Fernando Carvalho e os autores Edmara Barbosa e Bruno Luperi e Alexandre Romano, diretor de arte da abertura e ganhou corpo após uma viagem à Bahia, onde a equipe acompanhou de perto as gravações.
"Isso nos ajudou muito a compreender a real profundidade artística do trabalho. A produção de arte era tão impecável que até cheiros foram reproduzidos em cada ambiente para ajudar os atores a entrar na história. Voltamos com a certeza de que a o processo artístico de uma obra real, desenvolvida de forma artesanal era o caminho certo para contar a história na abertura", explica Romano.
Segundo ele, foi Carvalho quem apontou a arte dos muralistas sul-americanos, dos artistas do tropicalismo brasileiro, as platibandas coloridas das casas do sertão e as carrancas e artesanato do São Francisco como fontes de inspiração.
"Mello (cujas obras já serviram de abertura para "A Cura" e os remakes de "Gabriela" e "Saramandaia") é um artista supertalentoso e experiente, que passeia fácil por diferentes estilos e tem uma expressividade incrível nas pinceladas. Procurávamos algum artista que trabalhasse com entalhe em madeira ou alguma técnica parecida com a xilogravura para termos a dimensão física do volume e do regionalismo, mas não queríamos nada tão tradicional como o cordel. Encontramos o trabalho incrível do Samuel, que era diferente de tudo que já tínhamos visto", conta.
O desenho foi desenvolvido durante algumas semanas, e a produção final durou cinco dias de trabalhos simultâneos em um galpão/estúdio em Florianópolis: Mello traçou a base a lápis e começou a cobrir com cores e formas simples, e Samuel dava forma aos desenhos. Por fim, Mello voltava e pincelava detalhes.
"Para o processo da animação stop motion (quadro a quadro), que usamos em algumas partes, Samuel precisava traçar e parar para fotografarmos e isso atrapalhava muito a dinâmica do trabalho dele que é muito intuitivo. A conclusão é que mesmo para os dois artistas experientes, todo trabalho foi uma grande novidade", conta Romano.
A história seguia um roteiro, que contempla lendas da região, como a índia Iati, cujas lágrimas após perder seu amor na guerra dão origem ao São Francisco, além de símbolos, como a serpente (o mal e a cobiça do homem pela natureza) e o cardume (o alimento e a vida vindos de suas águas).
"O cardume vai diminuindo, mostrando a realidade atual do rio, onde nos peixes estão ficando escassos por conta da invasão das águas do mar. Voltamos a ver a serpente e depois dela um homem e uma mulher, separados pelo rio. Eles representam um amor proibido, dividido por famílias que disputam o poder sobre a natureza, e mais a frente se enroscam no amor e viram o rio de amor, com as cores da fauna e flora brasileira, que tomam conta do rio. Em seguida, as embarcações e suas carrancas que espantam o mal, para que os navegantes sigam seguros", explica.
Os arquétipos do homem e da mulher, responsáveis por tomar conta da natureza, são banhados pela energia da vida, representada pelo sol. Embalada por "Tropicália", na voz de Caetano Veloso, a abertura ganhou uma reedição para criar relações entre som e imagem.
"Assim, como uma obra de arte numa galeria, nós deixamos para o público diversas formas de interpretar a história, as referências e seus significados", diz.
Fonte: UOL
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