Quem vê a figura caricata da drag Isabelita dos Patins, de 63 anos, não imagina a sua trajetória. A maquiagem, o brilho e a inusitada presença da artista rompem qualquer pensamento: “é só alegria”. Nascida na Argentina, a figura ficou conhecida no Brasil quando posou ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1993, estampando a capa dos jornais de todo país, tornando-se figurinha comum das charges de Chico Caruso.
Há menos de um mês, Isabelita sofreu infarto, comoveu o cenário artístico, foi internada e acumulou uma dívida que a carreira de 40 anos não poderia quitar. Afinal, drag queen não tem aposentadoria. Ela recebeu, então, a ajuda das atrizes Claudia Jimenez e Marília Pêra, personalidades que admira, mas que sequer conhecia pessoalmente. “Fiquei muito comovida, pois não esperava. Sou muito abençoada por Deus”, agradeceu.
Ainda em recuperação, a artista participou nesta quinta-feira, 28, da gravação da novela “Insensato Coração” (Rede Globo), que será exibida neste sábado, dia 30. E, em entrevista exclusiva ao Yahoo!, Isabelita comentou sobre a relação com as artistas, a repercussão de seu problema de saúde e de sua gratidão pelo Brasil. “Comecei a ser feliz aqui, em 1970”.
Você acabou de gravar a novela “Insensato Coração”. O que representa essa participação na televisão depois de seu problema de saúde?
Estou muito feliz. Depois do infarto, as pessoas pensam que estou mal, aleijada, não vou fazer mais nada. Mas graças a Deus tive essa oportunidade de mostrar que estou bem. No início, seria uma figuração mínima, durante as imagens do lançamento do livro da Lucinha Araújo. Não tinha texto, nada, mas uma garotinha, que é filha da diretora, me viu, gostou da minha figura e eu dei um patinzinho para ela. Quando eu abri o leque e fez barulho, a diretora gostou daquilo. Agora, a cena deve começar comigo. Abro o leque e grito: “Lucinha, maravilhosa!”, daí começa... Estou irradiante de felicidade, isso fez e fará muito bem ao meu coração.
As pessoas ficaram realmente preocupadas com a sua saúde, tanto que a notícia foi publicada na maioria dos veículos de comunicação. Esperava essa repercussão nacional e a ajuda de artistas?
Fiquei comovida. Não esperava tantas manifestações de carinho, pois nunca me senti tão querida. Deus me deu essa oportunidade de ser reconhecida como artista. Não tenho plano de saúde, mas tenho amigos. Fui levada a um hospital particular e, apesar do pouco tempo, a conta ficou em R$ 11 mil... Uma amiga ligou para o prefeito, conversou com ele e as enfermeiras disseram que uma atriz da Globo queria falar comigo. Era a Claudia Jimenez.
Ela ajudou no pagamento da internação, né? Vocês são amigas?
Belo, nem a conhecia pessoalmente, só do teatro, de aplaudir, nada muito íntimo. Quando conversamos, eu agradeci muito, muito, muito pela ajuda, mas ela disse: “Não fiz nada demais. Quando eu passei pela cirurgia, meus amigos também me ajudaram. Fiquei muito comovida. Depois disso, a primeira pessoa que encontro na CTI é a diva, a maravilhosa... Marília Pêra. Fiquei sem palavras... No meu aniversário, ela me mandou um buquê e tenho sempre conversado com as duas. A Glória Perez também é minha fada madrinha. Pedi para que elas avisassem ao Maurício Sherman (diretor) para que eu participasse do “Zorra Total”, junto com a personagem Valéria. Gostaria muito e estou até com o texto aqui.
Alguma demonstração te surpreendeu?
Recebi muitas mensagens, demonstrações... Para você ter uma ideia, tem um menino no meu Orkut que, quando ficou sabendo do meu problema, falou que iria me ajudar. Sei que ele é michê, mas nem o conhecia... Passei o número minha conta, duvidando muito da conversa. E não é que quando fui ao banco havia R$ 200 a mais? (risos). Então recebi demonstrações de todas as formas.
Durante a internação, pensou que poderia morrer?
Em nenhum momento pensei nisso. A morte vai chegar, claro, mas não estou preparada. Ainda estou escrevendo um livro infantil e a minha biografia... Também tenho muitos objetos que gostaria de deixar para amigos. Tenho um anel da família da Carmem Miranda (que era do artista Erick Barreto), um presente da Glória Perez, uma roupa da bailarina Ana Botafogo, um anel da Elke Maravilha... Gostaria de deixar tudo preparado e vou chamar um advogado para um testamento. Não tenho contato com a minha família há mais de 40 anos, então não gostaria que essas coisas ficassem com eles (se emociona). Quero deixar uma lembrança minha aos meus amigos.
Mas afinal de contas drag queen tem aposentadoria?
Não, não temos aposentadoria. Vejo algumas gastarem mais de R$ 40 mil em um vestido para participar de um concurso... É preciso ter cabeça. Digo que a época do Fernando Henrique Cardoso foi a “loto” da minha vida. E o cachê que eu recebi deu para pagar meu apartamento. Ou seja, estou feliz porque consegui o meu teto. Drag é uma profissão, e eu vivo principalmente do carnaval e do Natal. Não vou a nenhum evento sem cachê, pois não quero viver de esmola. Na Globo mesmo, recebi um bom cachê para estar lá.
Ao contrário das drags, você não canta, não dubla, mas é uma celebridade. Qual é o segredo, então?
Isso é um mistério. Tem gente que fala que eu sou a cara do Rio de Janeiro, mas acho que é mais uma coisa espiritual: vou para alegrar um ambiente. O segredo é a maneira como chego nos lugares, como uma princesa, uma rainha. Ah! E não vou ao toalete nem de homem nem de mulher. Afinal de contas, de dia sou menino e depois viro uma borboleta (risos). Também faço trabalho voluntário, me vestindo de Mamãe Noel, arrecadando alimentos para instituições. São coisas que eu gosto de fazer.
Qual é a celebridade que melhor representa a comunidade LGBT?
Como referência de uma dama, de uma grande artista como Fernanda Montenegro, Bibi Ferreira...sem dúvidas é a Rogéria. Ela é uma atriz amada pela família brasileira, e isso é muito bonito.
Presença comum em festas cariocas, conta alguns bafões dos eventos dos artistas...
Às vezes vou a um lugar onde homens chiquérrimos fazem cara feia. Mas depois de umas bebidas, ficam todos empolgados e me chamam para ir ao banheiro (risos). Acho isso muito engraçado. Também já vi gente com um charuto de maconha, uma mulher finíssima me convidando para entrar no banheiro feminino para usar droga. Mas sou careta, não faço nada disso.
Pensando em toda trajetória, as festas, os aplausos, fotos... o que passa em sua cabeça?
Que o melhor presente da minha vida foi morar no Brasil (se emociona). Isabelita nasceu aqui. É tanto amor que, quando fui considerada cidadã brasileira, comprei o mapa do Brasil de ouro. Eu me apaixonei por este país aos nove anos, quando meu pai, que trabalha nos correios, me deu um cartão postal do Rio de Janeiro à noite (chora). Cheguei no Brasil no dia 31 de julho de 1970, aos 22 anos. Foi quando comecei a ser feliz.
Fonte: Yahoo