Passados quase dois meses de sua estreia, “Em
Família” ainda não pegou, ou seja, não emplacou no gosto popular, nem em
audiência nem em repercussão. Com primeira e segunda fases que só ficaram
interessantes porque foram apressadas, a novela entrou na terceira parte da
história na marcha lenta, quase marcha ré.
Focada na protagonista Helena nas duas primeiras partes da trama (vivida
por Juliana Dalavia e, depois, por Bruna Marquezine), a história de “Em
Família” agora cozinha sua personagem principal em banho-maria. Tudo o que a
atual Helena (Júlia Lemmertz) faz é sofrer com a temeridade da aproximação do
primo Laerte (Gabriel Braga Nunes), um amor do passado transformado em
fantasma, que voltou para atormentá-la.
Ainda que suplantada por outras personagens
secundárias – como Juliana (Vanessa Gerbelli), Marina (Tainá Miller), Clara
(Giovanna Antonelli), Shirley (Vivianne Pasmanter) e Chica (Natália do Valle),
que têm tramas próprias bem mais avançadas – Helena não é um problema da atriz.
Júlia Lemmertz está ótima ao passar, com muita competência, toda a angústia de
sua personagem. A atriz já teve excelentes diálogos, em cenas perfeitas, tanto
com Bruna Marquezine (Luiza, a filha) quanto com Humberto Martins (Virgílio, o
marido).
Mas está sendo pouco para a personagem
símbolo das tramas de Manoel Carlos ganhar o coração do público. “Em Família”
ainda está no início, tem tudo para que este quadro se reverta, mas, cobra-se
mais agilidade na trama da protagonista. O público só se mostrou apático desse
jeito diante de uma Helena de Manoel Carlos uma vez antes: na última, a vivida
por Taís Araújo em “Viver a Vida”, em 2009. Nesta novela, Helena perdeu o
título de protagonista para uma coadjuvante, quando os olhos de todos
voltaram-se para o drama de Luciana (Alinne Moraes), a bela modelo que ficou
tetraplégica após um acidente.
Cada Helena do autor tinha um drama pessoal
suficiente forte para puxar a novela. Vamos relembrá-los:
“Baila Comigo” (1981): No passado, Helena (Lílian Lemmertz) viu-se
obrigada a entregar um dos filhos gêmeos recém-nascidos para o pai dos bebês,
Quim (Raul Cortez), que foi morar no exterior, enquanto ela criou o outro
menino – segredo este nunca revelado a ninguém. Anos mais tarde, Quim retornou
com seu filho, João Vitor, já adulto. A novela toda sustentava-se na iminência
dos gêmeos João Vitor e Quinzinho (vividos por Tony Ramos) se encontrarem e
Helena ser descoberta.
“Felicidade” (1991-1992): Helena (Maitê Proença) engravidou de seu
grande amor, Álvaro (Tony Ramos), mas não teve como lhe revelar isso: ele
casou-se com outra mulher, Débora (Vivianne Pasmanter). Desiludida, ela criou a
filha Bia (Tatyane Goulart) sozinha, sem revelar a ninguém a paternidade da
menina. Anos depois, Helena se reencontrou com Álvaro ao trabalhar para a mãe
dele, e não conseguiu evitar a aproximação da filha com o garoto Alvinho
(Eduardo Caldas), filho de Álvaro e Débora.
“História de Amor” (1995-1996): Solitária, Helena (Regina Duarte)
sente o interesse do médico Carlos (José Mayer) e não resiste a essa nova
paixão, apesar de ele ser um homem comprometido, em um casamento em crise com a
possessiva Paula (Carolina Ferraz). Carlos também despertou o interesse da
jovem Joice (Carla Marins), a filha rebelde de Helena. Mas a censura da época
não permitiu que a mãe disputasse com a filha o mesmo homem, por causa do
horário da novela – seis da tarde.
“Por Amor” (1997-1998): Helena (Regina Duarte), num gesto extremo de
abdicação à filha, Eduarda (Gabriela Duarte), entrega o filho recém-nascido
para ela criar como se fosse o seu próprio, sem que ela saiba, já que o bebê de
Eduarda, nascido na mesma hora e maternidade, estava morto. Assim, Helena vê
seu filho sendo criado pela filha e é obrigada a tratá-lo como neto. Isso
custou também sua relação com Atílio (Antônio Fagundes), pai do menino, que
acreditou que o bebê nascera morto.
“Laços de Família” (2000-2001): Primeiro Helena (Vera Fischer) abdica
de sua paixão por Edu (Reynaldo Gianecchini) em prol da filha, Camila (Carolina
Dieckmann), que apaixonou-se por ele (Manoel Carlos leva adiante nesta novela a
trama primeiramente pensada para “História de Amor”). Depois, Helena, já
vivendo um novo romance com outro homem, Miguel (Tony Ramos), abdica novamente
de um amor por causa da filha, ao descobrir que Camila tem leucemia e que
apenas uma doação compatível a salvaria: Helena decide engravidar do pai de
Camila, Pedro (José Mayer), para que seu bebê possa ser o doador da filha. Isso
lhe custa sua relação com Miguel.
“Mulheres Apaixonadas” (2003): Helena (Christiane Torloni) começa a
questionar seu casamento com Téo (Tony Ramos) quando descobre o paradeiro de
uma antiga paixão, César (José Mayer). Para complicar ainda mais o casamento em
crise, Helena começa a desconfiar de um caso de Téo com Fernanda (Vanessa
Gerbelli). Na verdade, não há mais nada entre os dois, mas Lucas (Victor
Curgula), filho adotivo de Helena e Téo, é fruto desse antigo caso, fato que
Helena desconhecia.
“Páginas da Vida” (2006-2007): A médica Helena (Regina Duarte) não
consegue salvar a jovem Nanda (Fernanda Vasconcellos) em seu parto. Apenas os
bebês gêmeos sobrevivem, A avó das crianças, Marta (Lília Cabral), leva o
menino mas rejeita a menina, por ela ser portadora de Síndrome de Down. Helena
resolve ela mesma criar a pequena Clara (Joana Mocarzel) como se fosse sua
filha. Os anos passam e Helena terá que travar uma batalha na justiça pela
guarda da garota, já que o pai dela, Léo (Thiago Rodrigues) vem reclamar a
paternidade.
“Viver a Vida” (2009-2010): Helena (Taís Araújo) é uma top model que
largou a carreira no auge para casar-se com Marcos (José Mayer), separado de
Tereza (Lília Cabral), que não se conforma com a separação. Quem também não
aceita essa união é Luciana (Alinne Moraes), filha de Marcos, aspirante a
modelo, rival de Helena na profissão. Em uma viagem no exterior, um acidente
vitima Luciana, que interrompe o sonho de ser modelo porque ficou tetraplégica.
Mas Helena se sente culpada pela tragédia, pois Tereza havia lhe confiado tomar
conta de sua filha.
“Em Família” (2014): Helena (Bruna Marquezine) era apaixonada
desde a adolescência pelo primo, Laerte (Guilherme Leicam), que disputava a
moça com Virgílio (Nando Rodrigues), também apaixonado por ela. Acusado de
matar Virgílio, Laerte é preso no dia de seu casamento com Helena, mas logo
inocentado, porque Virgílio é encontrado ainda com vida. Desiludida, Helena se
casa com Virgílio enquanto Laerte vai embora para o exterior. Os anos passam e
Laerte (Gabriel Braga Nunes) agora está de volta na vida de Helena (Júlia
Lemmertz), já que ficou amigo de Luiza (Bruna Marquezine), filha dela e
Virgílio (Humberto Martins). Helena nunca perdoou o primo pelo sofrimento
causado no passado, e não o perdoará por esse interesse pela sua filha.
Ou seja, tudo o que a Helena de “Em Família”
tem feito nessa terceira e definitiva fase é reclamar de Laerte – quando não
está servindo de “escada” para os dramas dos outros personagens, como os papos
com a mãe Chica (Natália do Valle) e com a irmã Clara (Giovanna Antonelli), ou
a surra de cinto no irmão alcoólatra Felipe (Thiago Mendonça). De tanto alertar
a filha Luiza (Bruna Marquezine) sobre Laerte, Helena já ganhou a antipatia do
público.
Helena chata assim, só a de Taís Araújo em
“Viver a Vida”, que passou a novela despercebida e perdeu o posto de
protagonista para uma coadjuvante.
Fonte: Nilson Xavier, do UOL