O jornal inglês The Guardian surpreendeu a imprensa mundial na última semana, quando lançou o documentário "The Brazilian Carnival Queen Deemed 'Too Black'", algo como "A Rainha do Carnaval Brasileiro foi Considerada Negra Demais". A reportagem insinua que a ex-Globeleza Nayara Justino teria perdido o posto de representante do Carnaval da Globo por existir um racismo "oculto" na sociedade brasileira.
A história de Nayara comoveu até a atriz americana Lupita Nyong'o, vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante em 2014. Em sua rede social, Lupita publicou: "Minha paixão feminina de quarta-feira é a brasileira Nayara Justino. A sua linda história está aqui“, publicando o link para a matéria.
Em entrevista exclusiva, Nayara Justino explica como surgiu o convite para o documentário. Sobre perder o posto de Globeleza por ser negra demais, ela diz: "Apenas relatamos os fatos. Sejam coincidência ou não".
Confira:
O documentário sobre preconceito racial do jornal inglês The Guardian teve uma grande repercussão no mundo. Você esperava tudo isso?
Não esperava. Fizemos um trabalho lindo, com muita dedicação. Superou as nossas expectativas e levou nossa mensagem para todo mundo. Agradecimentos especiais para Bruce Douglas, Barney Flows, Cairo Jardim e toda equipe que nos tratou tão bem nos últimos nove meses.
A reportagem do jornal conta que sua saída do posto de Globeleza teria sido por você ser uma negra e não uma mulata. Quando você percebeu que isso poderia ser a explicação de sua saída repentina do cargo?
Não afirmamos que a saída se deu por conta disso. Apenas relatamos os fatos. Sejam coincidência ou não. Até porque respeito demais o trabalho das meninas que lá estiveram e da Erika (atual Globeleza), que conheci há pouco e é uma menina top! Muito legal e merecedora também. O foco do documentário é levar uma historia de superação para milhões de meninas no mundo todo. Ganhei o concurso com méritos e sofri muito na internet. Perdi o posto e não desisti. Tem que saber ganhar, perder, levantar a cabeça e continuar. Mas as maldades sofridas não esqueço e as uso de motivação e inspiração.
Como surgiu a proposta para o documentário do jornal The Guardian? A pauta sobre sua saída do posto de Globeleza era o tema principal desde o início?
O tema principal era preconceito à mulher negra no Brasil. Os produtores se encantaram com minha historia e a souberam contar de forma real e objetiva.
Nas redes sociais, a atriz americana Lupita Nyong'o fez uma linda homenagem nesta última semana a você. Qual foi o seu sentimento ao ficar sabendo desta atitude? Houve algum contato depois disso?
Chorei, chorei, sorri e chorei mais um pouco. O sentimento foi de realização. Estou recebendo mensagens do mundo todo e as guardo com muito carinho. Mas ela entendeu perfeitamente nossa mensagem. O poema que ela dedicou fala de superação. Nunca desistir. Sou guerreira. Enquanto me derem chance de mostrar meu talento, o farei. Ela curtiu meu agradecimento e nós duas por dentro sabemos que estamos inspirando milhões de meninas. Algumas professoras, como minha mãe, estão usando o documentário em sala de aula. Isto é minha maior felicidade.
Dentro da Globo, sendo Globeleza, em algum momento você sentiu o preconceito?
Nunca. Muito pelo contrário. Gosto tanto do pessoal de lá que queria ter continuado. Ou quem sabe um dia voltar como atriz. Tenho amigos lá. Pessoal muito batalhador e que dão a vida para levar bom entretenimento das pessoas. Assim como são na Record e outras emissoras.
Você recebeu diversos comentários de racismo em suas redes sociais quando estava saindo do cargo de Globeleza. Foi por esse motivo que você entrou em depressão em 2014, conforme chegou a ser noticiado? O que mais te machucou?
Nunca entrei em depressão. Isto foi inventado e pegou. Fiquei sim muito chateada com comentários de internet e algumas pessoas públicas. Se tivesse entrado em depressão não teria feito tantas coisas no ano passado (gravações para novela, documentário, viagem internacional com Salgueiro). Antes a inveja me machucava (comentários como "Ela é feia", "Zé pequeno"). Aprendi que não posso mudar a cabeça de algumas pessoas e agora sei conviver perfeitamente com os "haters". Se hoje estamos aqui falando de toda repercussão e podendo levar minha mensagem para o mundo, eu devo a eles.
Você acredita que novamente uma negra possa volta a ser protagonista das vinhetas de Carnaval da Globo?
Tem uma negra linda lá. Chama-se Erika Moura. Eu gostaria sim que nós negras tenhamos mais protagonismo nas produções. Sabemos ser mulatas, faveladas, escravas, empregadas. Mas também mocinhas, vilãs, etc. Nós damos Ibope, iso está mais que provado. Então por favor, nos deem mais espaço!
Você está no elenco da novela "Escrava Mãe", que a Record produz há algum tempo e pode estrear neste ano. Curiosamente, tem como temática a escravidão. Como está sua expectativa? Como será sua personagem?
Papel emocionante. Escrava sendo contada de forma real. Que sofre, se emociona, se apaixona e para saber mais tem que assistir. Conta nossa história em uma produção incrível. Quem gosta de super produção e história de época vai adorar. Novelão!
Sobre os fatos relatados no documentário do The Guardian, esta coluna entrou em contato com a assessoria de imprensa da Rede Globo, que emitiu o seguinte comunicado: "Não houve destituição. O contrato da Nayara era de um ano e seguiu conforme o previsto. A Globo não rotula seus contratados pela cor da pele e os atores são escalados de acordo com a compatibilidade artística ao papel. Se há uma ou outra prevalência é pela adequação à história que será contada. O mesmo critério vale para a escolha da Globeleza, onde também prevalece a avaliação artística".
Fonte: Na Telinha