Um dos atores maiores da TV brasileira, Lima Duarte brinca com os boatos de sua morte, com o excesso do uso do Google, sobre sua participação em I Love Paraisópolis – mas o que o emociona mesmo são as lembranças
da falecida mãe, América
De bermuda, tênis e meia branca, Lima Duarte, 86 anos, anda de maneira tão despojada pelo Projac que nem de longe lembra o mafioso Dom Peppino de I Love Paraisópolis, novela que chegou ao fim em novembro, na Globo. E é essa simplicidade, não só na maneira de se vestir como no jeito de contar os “causos” da vida, que conquista quem passa por ele e faz questão de cumprimentá-lo chamando-o carinhosamente de “Seu Lima”. “Sou muito bem tratado aqui. Mas, gravar, para mim, está sendo muito desgastante. Mudou muito o processo, agora é equipe para isso, é equipe para aquilo...”, conta. Mas o ator mineiro, que fez a primeira novela do país (Sua Vida Me Pertence, de 1951), não pensa em parar. “Não quero que a minha última novela seja I Love Paraisópolis. Ainda quero fazer algo especial.” No papo com a CONTIGO!, o veterano fala também, sempre muito emocionado, sobre a relação com sua mãe, América, que morreu de câncer: “Queria que ela tivesse morrido nos meus braços...”
O senhor chegou dizendo que quase não usa o seu celular. Como consegue?
Ele fica o tempo todo desligado. Eu só uso o celular para ligar para o meu motorista e para a minha cozinheira. Não sou de ficar usando a internet também. Não quero saber disso. Claro que dizer que a internet não é uma revolução, eu seria idiota se falasse isso. Dizer que não é útil, seria mais idiota ainda. É algo impressionante, mas não quero esse mundo para mim. E sabe por quê? Se eu pergunto para você como é mesmo o nome daquele ator que trabalhou naquele filme? Aí imediatamente começa a passar um trecho daquele filme na sua cabeça, ou com quem você estava no que dia que foi ao cinema... E assim você lembra o nome! Mas quem está acostumado com a internet o tempo todo, se eu pergunto isso, vai lá no celular, tu-tu-tu (ele imita o som das teclas de um celular) e acha o nome. Ninguém puxa mais nada pela memória! E, se a gente não puxa pela memória, a gente não a usa. Eu sou guiado pela memória, ela me conduz para o bem ou para o mal. Me chamam de Google.
Por falar em internet, circulou um boato pelas redes sociais, no mês passado, que o senhor teria morrido. O que achou disso?
A minha filha Mônica (62) disse que ia levar um vinho para o morto beber (risos). Mas, falando sério, foi chato, porque ela tem arritmia, se sentiu mal e foi parar no hospital. São as imundícies dessa latrina virtual, que, às vezes, a internet se torna. Fora isso, não me importo. A minha morte é uma coisa latente para os meus filhos. Tenho 86 anos! Não me iludo. Claro que eu vou morrer um dia, mas também não estou com pressa (risos).
O senhor se cuida?
Para mim, é tudo cabeça. Mas tenho a vida que eu quero ter, que gosto de ter. Levanto cedo, às 6h30, faço minhas caminhadas entre os arbustos do meu sítio (em Indaiatuba, São Paulo), onde moro há 30 anos, bebo um vinho de vez em quando, não fumo, não bebo, não cheiro. E vivo sozinho e muito bem. Leio, vejo filmes antigos e convivo com minhas memórias também (ele para de falar e se emociona). Memórias que tenho da minha mãe (América, que morreu em 1968). Não fui legal com ela como gostaria de ter sido.
Não foi um bom filho?
Posso ser acusado de muitas coisas, mas de mau filho, não serei. Porém, existem detalhes... A minha mãe teve câncer e chegou um dia em que o médico disse que não tinha mais jeito. Então, eu me separei da mulher com quem eu vivia, meu irmão se separou da mulher com que ele vivia, e fomos morar com a minha mãe. Aluguei uma casa em São Paulo, onde montei um quarto hospitalar para ela, e eu e ele ficávamos lá só falando coisas que ela gostava de ouvir, aquelas histórias de Minas, sabe? Acho que ela tinha 75 anos, não me lembro. Mas foram dois anos que eu vivi só para ela! Eu ia para a minha casa, mas acordava cedo porque fazia questão de já estar a seu lado quando ela acordasse. Eu perguntava: ‘Opa, mãe, dormiu bem?’ Só que um dia eu cheguei às 5h da manhã correndo e, ao ver minha tia na janela, pensei: ‘Ela se foi...’. Até hoje me pergunto por que não estava lá com ela...
O senhor se emociona muito ao falar de sua mãe...
Ah, sim. Olhe que história bonitinha dela. E tenho muitas! Uma vez fui trabalhar na Broadway, fazendo o musical Arena contra Zumbi (em 1969, no Teatro St. Clements, em Nova York). Quando liguei para a minha mãe, ela me perguntou se Nova York era um lugar bom. Quando eu disse que sim, ela me falou que, se Nova York era um lugar bom mesmo, era para eu levar uma piapara bonita para ela fazer recheada para mim (risos). Não é lindo isso? Eu gostava muito de comer esse peixe!
Ela devia sentir muito orgulho do senhor como ator...
Nesse período em que ela estava morrendo, e quisera eu que fosse nos meus braços, estava dirigindo e fazendo Beto Rockfeller (Tupi, 1968). Eu chegava para a minha mãe e perguntava: “A senhora gostou do capítulo de hoje?” Ela respondia: “Meu filho, você não tem porte”. Eu falava que estava interpretando um mendigo e ela continuava dizendo que eu não tinha porte (risos). Mas eu me orgulho, e sei que ela também, da minha trajetória. Na elite dos atores brasileiros, se me permite a modéstia, sou o único de formação rural. Sou o único caboclo que virou ator! E tenho me esforçado para que minha gente se orgulhe de mim.
Gostou de ter feito I Love Paraisópolis?
Eu caí meio de paraquedas nessa novela. Era apenas uma participação. Mas, gravar, para mim, foi muito desgastante. Mudou muito o processo, agora é equipe para isso, é equipe para aquilo. E não quero que a minha última novela seja I Love Paraisópolis. Ainda quero fazer algo especial.
O senhor foi convidado para fazer Velho Chico (próxima novela das 9)?
Nem sei se quero ser. Quero ficar à beira do rio no meu sítio. Mas sabe como a vida é. Também digo que não tem ninguém melhor do que eu para fazer essa novela de temática sertaneja! Ficam brincando com bobagem, mostrando um cara que transa com a mãe e com a filha (referindo-se à trama Verdades Secretas). Pô, pare com isso! O Brasil profundo é o que interessa.
Mudando de assunto, o senhor é ateu?
Taí uma pergunta difícil. Tenho medo de falar sobre isso por causa da minha mãe. Seria incapaz de ofendê-la e isso a ofendia. Ela era espírita, muito religiosa. Aliás, eu me chamo Lima Duarte porque esse era o nome do guia de luz dela. Tive de escolher outro nome porque, quando comecei a fazer rádio, disseram que Ariclenes não era bom (risos). Ela disse que eu seria muito feliz me chamando Lima Duarte. Então, eu respondo a essa pergunta dizendo que eu acredito é na minha mãe.
Fonte: Contigo