O novelista Lauro César Muniz, 74, chegou a
ter dúvidas sobre esta entrevista. Por e-mail, desabafou: "Um dos momentos
mais difíceis de minha extensa carreira na TV. Não fui especialmente otimista
no nosso papo...".
A conversa ocorrera uma semana antes, no
apartamento da Bela Vista, em São Paulo, onde vive há oito anos com sua quarta
mulher, a atriz Bárbara Bruno, 56, filha dos atores Paulo Goulart e Nicette
Bruno. Enquanto servia bolinhos caseiros e café preto à repórter Anna Virginia
Balloussier, digeria também seu último "fracasso" ("não vou usar
eufemismo, é fracasso mesmo"): a novela "Máscaras", com média de
cinco pontos de audiência na Record --um terço do esperado.
Ele está de cabeça feita: nunca mais fará
novelas.
Em tempos áureos, chegou a alcançar média de
66 pontos com "O Salvador da Pátria" (1989), na TV Globo. Hoje o
bastão está com João Emanuel Carneiro, 42, autor de "Avenida Brasil",
que já chegou a ser exibida em 71% dos aparelhos ligados.
A coincidência entre sua retirada e o sucesso
retumbante do jovem autor desperta em Lauro "nenhuma melancolia".
"Nós [autores dos anos 70/80] estamos cansados. Ninguém quer mais fazer
novela. Já fizemos tudo. E minha geração já morreu. Quem está vivo não está
trabalhando, o Benedito [Ruy Barbosa, 81]... Manoel Carlos [79] tem feito
alguma coisa."
"É muito difícil que um autor da minha
idade consiga vislumbrar alguma coisa interessante", afirma. "Por
mais que tente se reciclar, ele vai até um certo limite." Novidade?
"Tô esperando que os jovens façam."
Acha que eles ainda não conseguiram. Gostou
de "A Favorita" (2008), novela anterior de Emanuel Carneiro. Já
"Avenida Brasil", diz, "cai numa série de clichês, bastante
improváveis, como patroa virar empregada e empregada virar patroa. Não é uma
nova forma, é um clichezão. Acho chato". Discorda de que o enredo pode
refletir a nova classe média. "A classe C ascendeu através dessa troca?
Essa ideia não cola."
Sua geração, diz, era bem mais contundente e
arrojada.
"Nós disputávamos formatos novos. Em
1976, [o dramaturgo] Dias Gomes fez 'Saramandaia', realismo fantástico. Pessoas
voavam, gordos explodiam, formiga saía pelo nariz. Fiquei imediatamente
desafiado. 'Pô, vou fazer um treco louco também!' Fiz 'Casarão', contada em
três épocas. Daniel [Filho, diretor da Globo] arregalava o olho. Era maluca no
sentido de desafiar a lei da gravidade."
Hoje, não é assim. "A culpa é
nossa", diz. "Anestesiamos o público, que quer ver sempre as mesmas
coisas." As emissoras se acomodam. "A Record não faz sombra à Globo.
A TV Tupi [extinta em 1980] fazia muito mais."
"Sinto uma letargia." Os diretores
das TVs, afirma, "não são artistas ou são ligados ao mundo financeiro,
como o Manoel Martins [diretor de entretenimento da Globo] e o Hiran Silveira
[da Record]. Estão mais preocupados com orçamento do que com aspectos
artísticos".
Desconfia do Ibope. "Será que não é bom
ter outro instituto, outra medição? Antes, olhava pros números e gritava: 'Mea
culpa, mea culpa'. Hoje, olho e penso: quem está manipulando isso?"
A decisão de pôr fim à carreira na
teledramaturgia foi tomada antes da estreia de "Máscaras", em abril.
O que mais o incomoda, agora, é "a sensação de que estou abandonando tudo
por causa dessa novela. Pelo contrário. Dá até vontade de fazer mais uma, só
por revanche...".
"Sempre disseram: os 30 anos mudam sua
vida, são uma fossa. Não senti nada. O início da maturidade aos 40? Nada. Com
60, todo mundo fala que é o começo da velhice. Passei leve." O problema
começou aos 70. "Aí, a brincadeira muda. Você olha pra frente: 'Com muita
sorte, tenho mais dez anos de vida útil'. Pesa. Não vou mais fazer novela por
isso. Não dá mais, essa perda de tempo."
Entre os novos projetos, uma parceria com o
amigo Daniel Filho para uma minissérie e um filme sobre Getúlio Vargas --que poderiam
ser exibidos na Globo, de onde ele saiu brigado em 2005. Um problema é seu
contrato com a Record, que vai até 2013.
Mais adiantada está a peça sobre um
desembargador aposentado. Também tem planos de escrever um filme sobre
paulistas que lutaram contra a ditadura. Entre eles, José Dirceu, com quem
jantou recentemente, "numa excelente noite regada a vinho".
Às vésperas do julgamento do mensalão, o
ex-ministro recebeu o conselho de escrever uma autobiografia "expondo as
vísceras, uma prestação de contas a quem ainda acredita nas boas intenções
dele, como eu".
Lauro César tinha cerca de 30 anos, já era
formado em engenharia pelo Mackenzie e vinha do "partidão" (PCB)
quando foi comandado por Dirceu em passeatas.
"O Zé era galã! A gente o via como um Che
Guevara brasileiro. Era o namorado das estudantes de esquerda."
Mostra fotos arquivadas no computador. Numa
delas, divide o palco com Caetano Veloso e Gilberto Gil em protesto no teatro
Ruth Escobar. Diz que acabou na TV porque "não dava para fazer teatro, a
censura impedia".
Ele aponta como erro seu na novela
"Máscaras" mistérios que se prolongavam demais, como o da
protagonista sem nome vivida por Paloma Duarte
Em três meses desde a estreia, a trama mudou
de diretor uma vez e outras tantas de horário. Chega a entrar no ar perto da
meia-noite. Concorre até mesmo com outro trabalho de Lauro César: a reprise da
minissérie "Chiquinha Gonzaga" (1999) na TV paga.
"Só 'A Fazenda' dá audiência na Record.
Aí pergunto: minha novela não estaria sendo vítima disso tudo? Ou foi ela que
provocou essa hecatombe? Acho que não."
Interrompe o raciocínio para auxiliar um
rapaz que conserta o computador. Na vida, já pôs fim a três casamentos, que lhe
deram quatro filhos. Um deles morreu em 1992, após se viciar em drogas e
contrair Aids.
Virar a mesa depois de 46 anos de
teledramaturgia "assusta um pouco". Mas ele vai em frente.
"Tenho vontade de fazer mais coisas, viajar. Escrever novelas é uma
prisão."
Fonte: UOL
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