terça-feira, 29 de maio de 2012

João Emanuel Carneiro: por trás de 'Avenida Brasil'


Carminha faz o que ele quer. A vingança de Nina foi ele quem criou. E Suelen vai correr atrás de quem ele decidir. João Emanuel Carneiro é o autor por trás das mulheres fortes, impositivas e de caráter dúbio da trama que está mantendo 40 milhões de espectadores grudados na novela das 9 da Globo. O sucesso de Avenida Brasil é o tema da reportagem de capa de ÉPOCA que chegou às bancas no sábado passado.

João Emanuel, que dá raras entrevistas, conversou com ÉPOCA nesta semana. “Não me sinto célebre”, diz. O autor afirma que busca preservar a vida pessoal. No trabalho, não interfere nas gravações. “Tenho admiração pelo talento das pessoas, mas não tenho que estabelecer essa relação. Não sou de turminhas, sobretudo de atores.” Confira a entrevista:

O que Avenida Brasil tem de tão diferente?
Ela vai completamente contra a cartilha que será cada vez mais aplicada nas novelas. As novelas precisam cada vez mais de audiência, que hoje precisa ser conquistada na unha. A tendência é você fazer tramas cada vez mais ao gosto do freguês. Vai pesquisar a vida da dona de casa e fazer uma coisa mais tatibitati, com a heroína mais simplória possível para chegar a esse público de mulheres. O que eu vejo no futuro da televisão são pesquisas voltadas ao público consumidor e tramas do tipo Maria do Bairro. As novelas venezuelanas, mexicanas e colombianas não têm muita trama, você não pode fazer nada que faça refletir o caráter e as motivações dos personagens. Se eu tiver que fazer isso, prefiro fazer outra coisa.

Mas hoje não se tem de adaptar a novela às mudanças de perfil do público?
A novela tem que ter uma coisa que me instigue a contar aquela história senão acho uma chatice. É muito perigosa essa tendência de você fazer uma coisa de que você não goste para agradar um público que você não conhece. Então as novelas vão cair nesse paradoxo, nessa encruzilhada. Que freguês é esse?

Você se ressente quando dizem que fez uma novela para a classe C?
O bom dessa novela, que é característica das novelas brasileira, é que ela é para todas as classes, mesmo que se retrate a classe C. Isso diferencia o Brasil dos demais países latino-americanos. Lá novela é subproduto feito para miseráveis.

Existe uma preocupação em inovar sempre?
Eu acho que não inovei tanto, porque busquei a raiz do folhetim. Minhas novelas são muito folhetinescas. Pesquisei muito Eugène Sue (escritor francês do século 19), que, com suas novelas, passou a vender mais jornais na época. Começou com Les Mystèrs de Paris, que era sobre o universo dos ricos. Depois da Comuna de Paris, ele resolveu escrever sobre pobres, se tornou um fracasso e foi mandado embora. Eu acho que hoje, de alguma maneira, a elite deixou de ser uma coisa aspiracional para quem assiste a TV. É um fenômeno da era Lula. Nos anos 70 e 80, a gente queria ver a ilha do Miguel Fragonard e a Tônica Carrero reproduzindo uma socialite em Água viva. Hoje ninguém mais tem interesse pela vida dessas pessoas. É uma característica do novo século. As pessoas querem se projetar numa coisa mais possível. É mais fácil você ganhar dinheiro e ficar como o Tufão, mantendo a sua identidade.

Como lida com a pressão do público e da crítica?
Na novela das oito, o autor é personagem e é julgado como técnico de futebol. Saí de casa agora e me disseram: ‘Olha o que você vai fazer com a Nina. Não vá nos decepcionar’. Críticas eu não leio, só no final da novela.

Às vezes o público parece torcer mais pela vilã do que pela mocinha. Isso o choca?
Essa é a brincadeira da novela. A Carminha dá vazão ao que muita gente às vezes pensa, mas não tem coragem de dizer. A gente vive no apogeu da caretice. É um mundo censurado, cerceado e todo mundo tem que ser politicamente incorreto. Antes as pessoas diziam na cara o que pensavam. É o fascínio que a bruxa exerce. É o nosso lado negro que a gente tem que dominar. Maria Clara Machado dizia que a bruxa era essencial à criança. Para elaborar a psiquê, você tem que ter os seus fantasmas, seus monstros. Os livros infantis depois da Maria Clara ficaram muito tatibitati.

Por que as mulheres são a tônica das suas novelas das nove?
Porque essas histórias de mulheres chegaram para mim. Uma história se impõe para o autor. Eu não pretendo fazer só histórias de mulheres no futuro, mas eu acho a mulher fascinante porque ela é muito mais exposta que o homem. Mesmo na rua; mulher na rua é muito mais visível que o homem. A maneira como ela se veste, como ela exterioriza sua sexualidade, mais generosa em sentimentos, tanto os bons como os ruins. O homem passa um pouco em branco e acho isso bom também. Ele não é sublinhado como uma mulher. Quando ele tem um surto, ele sabe mais se controlar.

E por que só vilãs louras?
Coincidência. Não tenho fetiche por louras. Não sou Hitchcock.

Mas tem o fetiche de quê?
De contar uma história que me crie problemas a cada capítulo. Se eu não criar um um desafio, não vou estar contente. Meu fetiche acho que é um vaudeville de humor e fazer histórias que causem tensão e aflição.

Você teve uma trombose quando escreveu A favorita. Como lida com a rotina de novelista?
Tive trombose porque não me levantava, ficava sentado escrevendo sem parar. Nessa novela não, tenho nadado todos os dias quando acordo. E malho todas as terças e quintas. A exigência física de uma novela é absurda. Eu não quero estar com 60 anos fazendo isso. Não é uma coisa saudável, é um trabalho pesado demais, uma responsabilidade pesada demais, o olho de um país todo em cima de você.

Você é um autor que dá pitaco na atuação, que liga para o elenco?
Não falo com o elenco, só com a direção. Se você abre um canal, é muita gente ligando. Acho que eu não tenho um fascínio muito grande com esse mundo artístico-futebolístico, com esse mundo mediático de celebridades. Eu não levo isso para a minha intimidade, eu não tenho esse canal. Tenho admiração pelo talento das pessoas, mas não tenho que estabelecer essa relação. Não sou de turminhas, sobretudo de atores. Minhas novelas mudam totalmente de elenco. De vez em quando, há repetição, mas é raro. Não conhecia a Débora Falabella e a Adriana Esteves pessoalmente, só pelo trabalho.

A novela é um sucesso nas redes sociais. Por que não abriu um perfil?
Não abri, mas esse assunto está me interessando agora, porque muito do sucesso vem dos comentários das redes sociais Mas agora estou na maré brava de fazer a meiota da novela, então é impossível.

Por que é tão avesso a entrevistas?
Não me sinto célebre. Minha vida pessoal não diz respeito às outras pessoas e não acompanho a vida pessoal dos outros. Não tenho o menor interesse em revista de famosos. Se você faz campanha de amaciante com a mulher e depois reclama que teve a vida invadida, tem aguma coisa errada. Mas se a pessoa não fala da vida pessoal, tem que respeitar. É uma questão de coerência.

Por que suas novelas não fazem marketing social?
Acho muito chato. Mas eu tenho que achar uma fórmula que não seja tão exposta, de atrair o marketing social sem prejudicar a trama. Vou acabar fazendo.

Sua mãe (Lélia Coelho Frota, antropóloga, poetisa e crítica de arte) foi uma grande intelectual e você sempre conviveu no meio dela, de seus amigos. Nunca teve preconceito com fazer TV?
Para um escritor de audiovisual a TV é o lugar certo. A Globo investiu no contador de histórias, enquanto o cinema ficou naquela coisa de uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Não vejo novela como produto menor. Vim de uma elite intelectual, mas acho que, cada vez mais neste século, as coisas que estão restritas a uma elite vêm perdendo esse lugar de flor de estufa. A cultura está se diluindo, tanto que não há mais uma elite intelectual. Danuza Leão está certa em dizer que não há quem entrevistar. Cadê o Nelson Rodrigues e o Carlos Drummond de Andrade de hoje?

Sua mãe chegou a assistir a uma novela sua?
Ela gostou de A favorita. Ela nunca via televisão, não sabia quem era a Gloria Menezes. Mas acabou gostando. Como era muito católica, queria sempre que eu fizesse o bem das pessoas. Dizia que eu deveria fazer uma novela contando a história dos santos.

Fonte: Revista Época

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